quinta-feira, 14 de junho de 2012

O despertar de uma vocação - Os cristãos-leigos e sua atuação na Igreja e na sociedade


Por Cesar Kuzma - teólogo leigo

Quando nos propomos a falar sobre os cristãos-leigos e sua vocação e missão na Igreja e na sociedade, estamos falando daqueles e daquelas que estão em “maior número” dentro do corpo eclesial e que, para tanto, devem ser valorizados no que compete a sua vocação e a sua missão, sem prejuízo a ninguém, mas em vista da comunhão de toda a Igreja que caminha em missão no horizonte do Reino de Deus; missão que todos(as) os cristãos são chamados - como ekklesía - a colaborar. Estes cristãos - leigos e leigas - não podem mais ser tratados como “o povo conquistado”, ou como alguém que sempre recebe, que apenas ouve, que aceita sem entender e que não questiona, criticamente, a sua situação. Estes cristãos-leigos querem contribuir, a sua maneira e em comunhão, para a construção do Reino de Deus, missão que lhes é de direito (Lumen gentium n. 30-38). Portanto, cabe a toda a Igreja, na responsabilidade que lhe é conferida, despertar a sua vocação e missão, alimentando-a e fortalecendo-a em todo o seu agir, respeitando a sua autonomia e promovendo sempre a comunhão.

Mas, em torno a esta questão, alguém pode ainda se perguntar: quem são estes cristãos-leigos de hoje? Será que temos clareza desta resposta? Será que nos atemos a sua vocação e missão? Vejamos. Os documentos da Igreja trazem importantes definições sobre quem são eles na Igreja, bem como a sua função específica adquirida pelo batismo. Do Vaticano II tiramos esta importante definição: “São, pois, os fiéis batizados, incorporados a Cristo, membros do povo de Deus, participantes da função sacerdotal, profética e régia de Cristo, que tomam parte no cumprimento da missão de todo o povo cristão, na Igreja e no mundo” (Lumen gentium n. 31a). Desta afirmação conciliar extraímos pontos importantes para o nosso tema: 1) batizados e, por esta razão, incorporados a Cristo. 2) Membros do Povo de Deus, o que acentua um ponto importante na definição de Igreja do Vaticano II (na Lumen gentium), que a compreende como “Mistério” e, também, como “Povo de Deus”. Definindo-a como Povo, todos os batizados estão incluídos, o que lhes garante direito de participação ativa no corpo eclesial. 3) Participantes das funções sacerdotal, profética e real. 4) Que tomam parte na missão da Igreja. Parecem palavras e expressões simples, mas sua incidência, valor e responsabilidade são grandes e devem ser observadas por todos nós. Caso contrário, não estaremos sendo fiéis as propostas do Vaticano II que está em véspera de comemorar 50 anos. Este é um ponto sério e deve ser correspondido. Baseando-me nesta definição conciliar, apresentei a seguinte definição para os leigos e leigas no meu livro (Leigos e Leigas - ed. Paulus): “Quem são os leigos e leigas de hoje? Será que é lícito caracterizá-los apenas de maneira geral e por vezes pejorativa - leigos? Por certo que não. Esses leigos, homens e mulheres, constituem uma parcela importante da Igreja e possuem rostos próprios. Logo, suas interrogações devem ser ouvidas e aproveitadas porque trazem para dentro da Igreja o olhar íntegro da sociedade. Ouvi-los é ouvir a sociedade; inseri-los e formá-los na comunidade eclesial é preocupar-se com o futuro desta e também da sociedade” (Leigos e Leigas, p. 18-19). 

     Se resgatássemos dados da história da Igreja, que se viu, muitas vezes, internamente, separada por classes, veremos que há uma tensão a ser discutida entre clero e leigos (cf. Leigos e Leigas, p. 41-64). Em alguns casos o poder de serviço perdeu espaço para o poder de domínio e uma separação intra-eclesial acabou ocorrendo. Esta intencionalidade foi dada por encerrada no Vaticano II pela definição de Igreja de comunhão e pelo conceito de Povo de Deus (Lumen gentium, cap. II). A partir de então não se deveria mais falar clero e leigos, não se poderia ter mais separações no seio da Igreja, mas se deveria fortalecer a ideia de comunidade e ministérios. Algo próximo à proposta de Paulo em Corinto, quando define os dons e carismas de cada integrante para a edificação do corpo de Cristo, que é a Igreja (cf. 1Cor 12,4-11). Nesta definição, Cristo é o centro e, é o único e mesmo Espírito que tudo realiza (cf. 1Cor 12,11), trazendo a unidade (cf. Ef 4,1-6). Na Igreja todos(as) são chamados, cada um a seu modo e no horizonte da sua vocação. A riqueza e a edificação da Igreja acontecem com o esforço mútuo de todos os seus membros, guiados pela ação do Espírito de Deus. Todavia, às vezes, notamos que essa Igreja de comunhão não acontece em vários lugares. Nem sempre os leigos têm voz, quando deveriam ter; nem sempre há uma comunhão fraterna entre leigos e clero, quando deveria ter; nem sempre os seus direitos eclesiais são respeitados, quando deveriam ser etc. Porém, estas não são situações generalistas, mas ocorrem em realidades específicas, variam de comunidades para comunidades, de leigos para leigos, de clero para clero e de clero com leigos. Se afirmássemos aqui que esta tensão não existe mais, estaríamos nos enganando. É algo que deve ser superado para o bem da Igreja.

Caminhando a partir desta constatação, no nosso entender, a dificuldade que se encontra, talvez, está em articular o trabalho de leigos e leigas - pessoal e pastoral - com a missão de toda a Igreja. Neste caso, leigos e leigas devem entender que sua ação no mundo é também uma ação de Igreja, pois agem (ou deveriam agir) na sociedade a partir de sua convicção de fé (com respeito e maturidade ao diferente). Uma vez que os leigos se assumem como Igreja, passam a ser luz desta Igreja, sinal de sua mensagem diante de todos: lumen gentium (luz dos povos). Não pode haver uma dicotomia entre a vida familiar, social e profissional com a vida eclesial. Uma deve refletir-se na outra. Nessa articulação, deve se buscar “autenticidade e coerência”, conforme assinalou a Conferência de Aparecida (cf. DAp n. 210). Em segundo lugar, deve-se fortalecer a vocação dos leigos e leigas diante do mundo secular, a fim de que eles possam levar à sociedade a verdade do Evangelho e transformar as estruturas que nos envolvem (cf. Lumen gentium n. 31b). Entendo que esta articulação é fundamental para a missão de toda a Igreja, que como Cristo, encarnou-se no mundo, a fim de assumir as suas realidades e transformando-o na perspectiva do Reino futuro.

No entanto, é um fato que existem dificuldades e barreiras eclesiais quando os leigos decidem assumir papéis preponderantes na Igreja, porém, elas existem ou não dependendo da diocese e da comunidade de fé em que esses fiéis participam. Nós temos comunidades com abertura, que possuem um frutuoso diálogo, mas também temos outras que se fecham. Contudo, algumas questões devem ser levadas em conta para o despertar desta vocação e missão: 1) O despertar da vocação leiga: será que hoje leigos e leigas sabem da sua vocação? Será que eles sabem da sua importância dentro da missão de toda a Igreja, do seu compromisso e de que forma eles podem contribuir. Este é o primeiro passo. 2) Romper com o clericalismo que existe: Se uma Igreja fica identificada apenas com o clero torna-se difícil o desenvolvimento de uma vocação leiga. Este é um ponto muito enfatizado por João Paulo II na Christifideles laici. 3) Criar espaço dentro das comunidades, onde se possa estudar e refletir sobre a fé cristã, junto com os problemas sociais e particulares existentes. 4) Concretização de Cursos de Teologia que possam oferecer uma formação madura e de qualidade para todos os membros da Igreja. A meu ver, estas não são as únicas questões, todavia, se forem encaminhadas teremos, com certeza, outra imagem de Igreja no futuro, mais comprometida e com mais ação.

     Encerramos a nossa breve reflexão afirmando que o princípio de comunhão deve ser vivido na Igreja internamente, sentindo-se parte de um todo, com uma vocação e missão específicas. A pertença de alguém à Igreja não é um acaso, mas é uma resposta de fé a uma experiência concreta de vida, no encontro com Deus, fortalecida no convívio fraterno, na escuta da Palavra e na comunhão eucarística. Automaticamente, isso os levará ao sentimento de corresponsabilidade pelas ações da Igreja na sociedade em que vivem. A missão dos cristãos-leigos não é uma missão isolada, mas conjunta, que está em comunhão, que tem um fim único e um destino comum, que é Cristo e o seu Reino. Em resposta ao chamado deste Reino “todos” são chamados a dar ao mundo a razão de sua esperança.

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