Por
Cesar Kuzma
Havia um homem que morava em certa
cidade e nela ele alimentava as suas relações há bastante tempo. Em tudo ele
era referência e a ele todos se reportavam. Era como se dissesse que em cada
canto daquela cidade se manifestava algo que tinha a ver com aquele homem, que
nunca invadiu a mesma em sua maneira de ser, mas que respeitava o seu ir e vir,
aquilo que lhe era próprio, a sua liberdade. O que ele queria era salvaguardar
que tudo seria bom e que tudo teria um bom fim.
Aconteceu que com o passar do tempo
esta cidade foi aumentando em tamanho e crescendo em número de pessoas e, com o
agito que circulava o seu bem estar, as pessoas foram se afastando e passaram a
viver em outros propósitos e direções... O velho homem já nem era tão lembrado,
sua referência estava distante, os mais novos nem o conheciam, e aos demais,
ele foi alguém que trouxe sentido ali uma vez, mas que os tempos agora eram
outros e havia outras e mais urgentes preocupações.
Mas chegou o tempo que o filho deste
homem atingiu uma maturidade e no momento certo saiu da casa do pai e foi
seguir o seu rumo, dando continuidade ao plano do pai, em comunhão, mas num
jeito que lhe era próprio, específico e seu. A fidelidade ao pai era mantida e
um guardião de extrema ligação com o pai e o filho acompanhava e guiava os seus
passos. Nesta cidade, este filho chegou como um estranho, não quis se mostrar
como filho do pai, mas quis fazer conhecer a vontade do pai por sua disposição
e serviço. Ele se enamorou da cidade e dedicou-se inteiramente a ela, e nela
encontrou e escolheu para si a sua noiva, levando-a consigo, para um encontro
maior e pleno, um encontro no amor, na sua casa, na casa de seu pai.
A alegria do pai era tanta que
resolveu fazer uma grande festa. Era o momento maior, sublime, era a união do
seu filho com alguém que trazia a marca daquela cidade que o pai tanto amou e
cuidou. Prepara-se a festa, um banquete, jamais alguém ouviu falar em algo tão
grande, era um evento extraordinário. O pai na sua alegria e bondade pede que
convidem todas as pessoas importantes da cidade, dedica horas a elas, sabe da
importância que tem e espera deles o reconhecimento. Mas o pai estava esquecido
e poucos ainda se importavam com ele, e recusaram o seu convite. O pai não se
abalou, ainda era tempo de festa e mandou chamar a outros, pessoas de sua
estima, pessoas em quem ele depositou confiança e apego; foram-se os convites,
mas também estes recusaram. O pai sente, é um golpe forte, era como se ele não
existisse mais, estava esquecido. Aqueles a quem ele tanto amou, recusaram a
sua presença. O pai lamenta, sofre, mas vê a alegria do filho e quer ser fiel
com ele, pois assim será fiel a sua noiva, que representa aquilo e aqueles que
ele tanto quis. Era festa, era alegria, o pai pede e envia convites a todas as
pessoas que ele conhece, vai aos lugares mais escuros e esquecidos da cidade,
ele chama “a todos”: ele chama os pobres, os doentes, os que estavam na
dependência química, os bêbados e moribundos, os que eram discriminados pela
sociedade, os divorciados, os homoafetivos, os negros, os índios, as mulheres
que foram espancadas por seus filhos e maridos, as prostitutas, os presos, as
vítimas da violência, enfim, chama a “todos aqueles que ninguém vê, que ninguém
toca e que ninguém sente”. O pai chama aqueles que são mais vulneráveis e diz
que é para eles que ele preparou a festa. O pai estende a estes o seu convite,
e para a alegria do pai, do filho e da noiva, eles aceitam o convite e se
dirigem a casa do pai para festejar. Era uma alegria! Um entusiasmo!
Acontece a festa. Todos comiam,
dançavam e se alegravam, e o noivo estava com eles! No meio deles! O pai, então,
começa a percorrer os espaços da festa e começa a agradecer a todos que ali
vieram, demonstra a eles a sua alegria, diz que a presença deles é importante e
que eles que estavam na “desgraça” da vida, encontraram ali a sua graça, um tom
novo, onde podem recomeçar. Aprende-se a viver. O pai lhes deu confiança e
certeza, produziu neles o gérmen da esperança. E assim seguiu o pai...
De repente, o pai olha para o lado e
vê uma pessoa diferente, uma pessoa distinta e bem apresentada, mas que não se
alegra com os outros e que não se sente a vontade no meio onde está. Está
desconfortável, sente-se incomodada. Esta pessoa não se mistura e o pai a olha
e tenta reconhecê-la, mas mesmo assim se pergunta: “por que não está animada e
feliz quando o noivo está aqui? É festa!”... O pai chega mais perto e olha bem
para aquela pessoa e vê que ela se porta de maneira diferente. Ela está tão
carregada com suas roupas que não se sente confortável para dançar e festejar
com os outros. Tudo é pesado. Esta pessoa se enfeitou tanto para estar ali e
deu tanta importância a outras coisas que se esqueceu do essencial, que é a
alegria, a expectativa e a novidade da festa, o convívio com todos, que é a
mesa comum e a partilha, o contato, o abraço, o beijo e o afago... O pai
aproxima-se e pergunta: “Por que você não veio preparado para a festa? Por que
está com estes trajes pesados que camuflam o seu ser e não nos deixam te ver
realmente?...”
O pai, na sua imensa misericórdia e
bondade, ainda tenta trazê-la para a festa, insiste que tire as amarras, que
jogue aquelas roupas caras e pesadas e fique apenas com o que é importante. O
pai mostra-lhe as demais pessoas que ali estão, pede que veja como estão
felizes agora e o pai não entende como alguém pode ter se esquecido delas, o
pai não entende como alguém pode ter feito mal a qualquer uma daquelas pessoas
que ali estavam, ou coisa assim. O pai então chama esta pessoa para o meio e
quer fazer uma aproximação, mas a postura da pessoa, sua rigidez, impede-a de
ir.
“Isso não é correto”, diz a pessoa...
“Não é esta a lei, não é assim que deveria ser... Eu achei que te conhecia e
quis te impressionar com minha presença... Eu trouxe tudo o que considero
importante e ‘estes’ não te trouxeram nada... Como podem se alegrar na presença
do noivo?... Quem são eles, o que fazem?... Olhe aquele e aquele!... Veja
aquela!... E aquele lá?!... Isto não está certo, vai contra o que é correto”.
O pai, com afeição e bondade, olha e
diz: “Eles estão livres e acolheram com bom grado o meu gesto de bondade. Por
que você ficou tão preso nestas coisas e não fez o mesmo?”. A pessoa respondeu:
“Mas eu fiz tudo o que me disseram?”.
E o pai, na eterna bondade, respondeu:
“E quem disse que está trajando roupa de festa?”.
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A salvação é dom de Deus, é graça. O
nosso gesto, a nossa postura, deve ser de acolhida. Ao acolher, abrimos a nossa
vida diante do mistério e permitimos que o mistério atue em nós. No acolher, o
mistério se manifesta e nos liberta para a verdadeira vida, o mistério nos
coloca no seguimento daquele que revelou todo o mistério; ele nos desinstala e
nos abre uma nova perspectiva, um novo, um futuro, leva-nos ao encontro com
aquele que nos chama e que nos prepara uma grande festa. Na festa nós
celebramos. Celebramos a nossa chegada e o caminho que percorremos; trazemos a
nossa memória. Celebramos a memória daquele que nos mostrou o caminho, que deu
sentido a nossa vida através da sua vida. Este é o espírito do encontro. Deus
se desinstala, ele se despoja e vem ao nosso encontro; nós fazemos o mesmo e
vamos à sua direção.
Cesar
Kuzma é teólogo Leigo. Doutor em Teologia pela PUC-Rio. Autor do livro “Leigos e Leigas” da
Paulus; e um dos organizadores do livro “Age Deus no mundo?”, da Editora
PUC-Rio e Reflexão.