Por Cesar Kuzma -
teólogo leigo
Amig@s!
Temos
acompanhado nas últimas semanas um arrastar de notícias na mídia e de diversos comentários
que se multiplicam nas redes sociais, a respeito da presidência da Comissão de
Direitos Humanos e Minorias da Câmara (CDHM), na pessoa do Deputado e Pastor
Marcos Feliciano (do PSC-SP). Este é um ponto que já vem acontecendo
seguidamente, com manifestações, opiniões e conflitos. O que se apresenta em
debate, e esta é uma questão a se considerar seriamente, é o fato de que
Feliciano usa da plataforma política para interesses próprios e os de sua
denominação cristã, não se esquivando de tecer seguidas vezes uma opinião
racista, homofóbica e discriminatória para diversos grupos, articulando-se para
isso numa base teológica, a meu ver, sem fundamento plausível e de tom extremamente
fundamentalista. Uma postura assim não é coerente com o cargo que ocupa, o que
demonstra bem a grave crise do sistema político brasileiro. Este é o primeiro
ponto que nos levou a escrever este breve artigo.
No
entanto, surge para nós aqui outra questão, que é por onde gostaríamos de
aprofundar esta reflexão. Nota-se, agora, em várias frentes, o surgimento de um
discurso, meio “pró” Feliciano, ou
para ser mais objetivo, meio “pró causa”
deste, tendo a intenção de com este tom salvaguardar a família, o direito e os
bons costumes, levando a acusar “práticas” e “grupos” diferentes como algo “não
normal” ou como condição que fere a identidade cristã, tão e fortemente
apresentada por estas pessoas. Usa-se, para tanto, argumentos cristãos, e neste
ponto, vemos muitos grupos que são inicialmente distantes (católicos e
evangélicos de várias frentes e bases mais conservadoras), mas que diante deste
fato convergem numa mesma causa. Valem-se do direito de dizer e de afirmar
posição(ões), apoiam-se na “Palavra” e na “Doutrina” e insistem que sua função
é de “fazer o bem”, de “guardar
valores”, etc. Dizem que não têm nada contra os grupos minoritários, de maneira
mais direta, dizem que não têm nada contra os “homoafetivos” (que é o grupo
mais atacado, mas não é o único), mas que sua opção sexual não converge para o
plano de Deus e que eles não estão em sintonia com aquilo que se espera de uma
sociedade “com traços cristãos”. Diante disso, acham-se no direito de se
manifestar e de dizer que “estes” (homoafetivos) vivem em pecado, que são
aberrações, coisas do gênero. As redes sociais usam um tom assim, o mesmo em
algumas pregações, e por aí vai...
Deste
modo e com esta postura radical, eles afastam ainda mais os que já estão
afastados, legitimando uma prática da sociedade em que a exclusão e a dominação
fazem parte do cotidiano. Isto é lamentável! Este é um ponto que me preocupa e
por esta razão optei por escrever este artigo, pois tenho muito medo quando
alguém diz que faz isto ou aquilo em “defesa” de “certa ordem” ou de “certa
doutrina”, especificamente, ordem e doutrina cristãs. Será mesmo?... Vejo isso
como algo muito sério e que pode ter consequências graves, para não dizer
gravíssimas; tenho medo de que práticas assim assemelhem-se muito mais ao “farisaísmo”,
combatido por Jesus, do que ao “cristianismo”, que deveria ser a continuação
dos seus passos, pois decorre do seu seguimento. Cristão é aquele que segue a
Cristo, e se o faz, faz isso através da humanidade de Jesus (é pelo humano-Jesus
que temos acesso à divindade de Jesus - cf. Fl 2,6-9), pois ali (na sua
humanidade) ele é o caminho. Ao tomar a decisão por segui-lo, resolve-se também
por aceitar a sua vida e a sua proposta, que é o Reino de Deus, que basicamente
é apoiado no amor, na paz e, destacamos aqui, na “justiça” e no respeito “a
todos”; na busca e na reintegração “de todos”. Segue-se, portanto, a Cristo que
diz: “Vinde a mim todos que estão cansados e oprimidos e eu vos darei descanso”
(Mt 11,28). O mesmo Jesus diz aos outros: “Ai de vós...” (cf. Lc 6,24ss); e diz
também aos fariseus (talvez diria a muitos hoje...): “vocês amarram pesados
fardos e impõem-nos aos ombros dos homens e ao mesmo tempo se negam a
movê-los...” (Mt 23,4ss).
Qualquer
discurso ou prática que usa da lei (civil ou religiosa) para passar por cima da
pessoa humana, está totalmente em desacordo com a proposta evangélica apontada
por Jesus durante a sua vida, como pode se fazer notar na parábola do “Bom
Samaritano” (cf. Lc 10,29-37) e na postura de Jesus em relação às mulheres
(muitas delas prostitutas e excluídas da sociedade de seu tempo - um exemplo;
Jo 8,1-11 “nem eu te condeno!”), crianças e cobradores de impostos, etc. No
dizer dos Atos dos Apóstolos, Jesus foi alguém que passou “fazendo o bem” (cf.
At 10,38). É um dado certo para a fé cristã que o nosso fundamento e o nosso
agir devem estar ancorados na proposta do seguimento de Jesus, em seu aspecto
histórico, onde irrompeu o Reino de Deus e do qual somos, enquanto Igreja,
continuadores. Esta é a doutrina cristã, apontada pelo Vaticano II, na Lumen gentium.
Então,
quando ouço dizer que alguém faz isso (agredir, desrespeitar, humilhar, etc)
alguém, um grupo, um negro, um índio, uma criança, um pobre, uma mulher ou um
homoafetivo (listei aqui os mais vulneráveis na sociedade) e afirma tal ação
dizendo que esta é a doutrina cristã, ora, eu me pergunto: que doutrina segue?
Será que estamos na mesma Igreja e comungamos da mesma fé? Peço desculpas, mas
não consigo ver de outra forma. São tantos os documentos da Igreja, desde as
Encíclicas sociais, passando pelo Vaticano II, na Gaudium et spes, até documentos recentes e de afirmações da
Doutrina Social da Igreja, dos discursos dos últimos papas e diante de todas as
campanhas pela dignidade da pessoa humana, pelo respeito à vida em todas as
suas dimensões e amplitudes... que, sinceramente, eu não consigo entender esta “indiferença”.
Será isto cristão? Há uma confusão geral e uma incompreensão do que é e como se
vive a fé. Não se compreende a ação humana como uma extensão da ação da Igreja
na sociedade, onde o testemunho que oferecemos é em favor da vida, da
dignidade, do respeito, da tolerância e na capacidade de acolher o diferente
porque ele é diferente; deve-se respeitá-lo e cultivar a sua integridade, e
quando esta é ferida, o sentimento cristão deve ser o de resgate, de elevação,
nunca, jamais, de abandono. O que fazemos com o batismo que temos e que nos
liga a vida de Cristo? Teria Cristo, Jesus de Nazaré, também agido desta forma?
Teria ele preparado um discurso de exclusão, justo ele que se sentou a mesa com
os pecadores, com as prostitutas, com os pobres e marginalizados; justo ele que
enfrentou Herodes, Pilatos e a supremacia religiosa; justo ele que morreu numa
cruz, sendo solidário aos que sofrem, participando da nossa vida e fazendo da
nossa esperança e do nosso sofrimento também os seus? Peço que me perdoem, mas
eu não conseguiria ver um Jesus libertador que não liberta, eu não conseguiria
ver um Jesus salvador que não salva, eu não conseguiria ver um Jesus que nos
convida para o banquete, mas não nos deixa entrar... Isto não entra na minha
compreensão de fé e acho difícil de sustentar.
Penso
que a fé deve estar apoiada numa “autencidade” evangélica, ali ela é fiel;
penso também que a fé deve ser vivida na “coerência”, no espelho e no dinamismo
do próprio Jesus. Caso contrário, é fantasia e é enganação. “Autenticidade” e “coerência”
foram aspectos que se pediu e se documentou na Conferência de Aparecida, em
2007.
Em
muitos casos, olha-se muito a lei e a estrutura do que entendemos por ser
Igreja, seus preceitos litúrgicos, seus palácios e regimentos...; mas nós nos esquecemos
de que antes disso, de que esta Igreja é, primeiramente, “mistério”, ela é
mistério que vem de Deus e nos aponta a salvação, e por isso apoia-se no plano
de Deus, revelado e vivido por Jesus, e o qual nós somos continuadores. Em
segundo lugar, esta Igreja é “povo”, e como povo, “Povo de Deus”, temos uma
incumbência importante, nunca um privilégio. Quem quiser ser o maior, seja
aquele que serve.
Eu
pergunto: será que não nos preocupamos muito com a dimensão física e estrutural
da Igreja e com isso com a nossa condição diante dela (e dentro dela) e nos esquecemos
de que a Igreja é sinal e serviço no mundo? Será que não nos atemos
demasiadamente a uma estrutura de normas e esquecemos-nos de procurar uma
profunda e sincera vivência, diria, convivência. Será que olhar demais
internamente não é fugir de um mundo que chora e clama por justiça e libertação?
Do que estamos fugindo e do que a Igreja (apenas física) nos protege? Se
entendermos, pela fé cristã, que Deus amou tanto o mundo e por amar tanto
enviou o seu Filho, com que direito nós abandonamos e recusamos este serviço
que acolhemos na fé? Se as atitudes de Jesus se dirigiram preferencialmente aos
excluídos deste mundo, aos diferentes, com que direito nós “ainda” excluímos?
Não estaríamos também nós, excluindo o próprio Cristo?
É
para refletir [...]...
Diante
disso, quero provocar uma reflexão a partir da fé cristã e em defesa dos direitos
humanos, tendo por base a parábola da “Festa Nupcial” (cf. Mt 22,1-14; par Lc 14,20-24). Farei aqui uma
releitura interpretativa, a fim de atingir o ponto em questão e “ousar”
responder as perguntas que nos são apresentadas diante destas situações.
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Havia um homem que morava em certa
cidade e nela ele alimentava as suas relações há bastante tempo. Em tudo ele
era referência e a ele todos se reportavam. Era como se dissesse que em cada
canto daquela cidade se manifestava algo que tinha a ver com aquele homem, que
nunca invadiu a mesma em sua maneira de ser, mas que respeitava o seu ir e vir,
aquilo que lhe era próprio, a sua liberdade. O que ele queria era salvaguardar
que tudo seria bom e que tudo teria um bom fim.
Aconteceu que com o passar do tempo
esta cidade foi aumentando em tamanho e crescendo em número de pessoas e, com o
agito que circulava o seu bem estar, as pessoas foram se afastando e passaram a
viver em outros propósitos e direções... O velho homem já nem era tão lembrado,
sua referência estava distante, os mais novos nem o conheciam, e aos demais, ele
foi alguém que trouxe sentido ali uma vez, mas que os tempos agora eram outros
e havia outras e mais urgentes preocupações.
Mas chegou o tempo que o filho deste
homem atingiu uma maturidade e no momento certo saiu da casa do pai e foi
seguir o seu rumo, dando continuidade ao plano do pai, em comunhão, mas num
jeito que lhe era próprio, específico e seu. A fidelidade ao pai era mantida e
um guardião de extrema ligação com o pai e o filho acompanhava e guiava os seus
passos. Nesta cidade, este filho chegou como um estranho, não quis se mostrar
como filho do pai, mas quis fazer conhecer a vontade do pai por sua disposição
e serviço. Ele se enamorou da cidade e dedicou-se inteiramente a ela, e nela encontrou
e escolheu para si a sua noiva, levando-a consigo, para um encontro maior e
pleno, um encontro no amor, na sua casa, na casa de seu pai.
A alegria do pai era tanta que
resolveu fazer uma grande festa. Era o momento maior, sublime, era a união do
seu filho com alguém que trazia a marca daquela cidade que o pai tanto amou e
cuidou. Prepara-se a festa, um banquete, jamais alguém ouviu falar em algo tão
grande, era um evento extraordinário. O pai na sua alegria e bondade pede que
convidem todas as pessoas importantes da cidade, dedica hora a elas, sabe da
importância que tem e espera deles o reconhecimento. Mas o pai estava esquecido
e poucos ainda se importavam com ele, e recusaram o seu convite. O pai não se
abalou, ainda era tempo de festa e mandou chamar a outros, pessoas de sua
estima, pessoas em quem ele depositou confiança e apego; foram-se os convites,
mas também estes recusaram. O pai sente, é um golpe forte, era como se ele não
existisse mais, estava esquecido. Aqueles a quem ele tanto amou, recusaram a
sua presença. O pai lamenta, sofre, mas vê a alegria do filho e quer ser fiel
com ele, pois assim será fiel a sua noiva, que representa aquilo e aqueles que
ele tanto quis. Era festa, era alegria, o pai pede e envia convites a todas as
pessoas que ele conhece, vai aos lugares mais escuros e esquecidos da cidade,
ele chama “a todos”: chama os pobres, os doentes, os que estavam na dependência
química, os bêbados e moribundos, os que eram discriminados pela sociedade, os
homoafetivos, os negros, os índios, as mulheres que foram espancadas por seus
filhos e maridos, as prostitutas, os presos, as vítimas da violência, enfim,
chama a “todos aqueles que ninguém vê, que ninguém toca e que ninguém sente”. O
pai chama aqueles que são mais vulneráveis e diz que é para eles que ele
preparou a festa. O pai estende a estes o seu convite, e para a alegria do pai,
do filho e da noiva, eles aceitam o convite e se dirigem a casa do pai para
festejar. Era uma alegria! Um entusiasmo!
Acontece a festa. Todos comiam,
dançavam e se alegravam, e o noivo estava com eles! No meio deles! O pai,
então, começa a percorrer os espaços da festa e começa a agradecer a todos que
ali vieram, demonstra a eles a sua alegria, diz que a presença deles é
importante e que eles que estavam na “desgraça” da vida, encontraram ali a sua
graça, um tom novo, onde podem recomeçar. Aprende-se a viver. O pai lhes deu
confiança e certeza, produziu neles o gérmen da esperança. E assim seguiu o
pai...
De repente, o pai olha para o lado e
vê uma pessoa diferente, uma pessoa distinta e bem apresentada, mas que não se
alegra com os outros e que não se sente a vontade no meio onde está. Está
desconfortável, sente-se incomodada. Esta pessoa não se mistura e o pai a olha
e tenta reconhecê-la, mas mesmo assim se pergunta: “por que não está animada e
feliz quando o noivo está aqui? É festa!”... O pai chega mais perto e olha bem
para aquela pessoa e vê que ela se porta de maneira diferente. Ela está tão
carregada com suas roupas que não se sente confortável para dançar e festejar
com os outros. Tudo é pesado. Esta pessoa se enfeitou tanto para estar ali e
deu tanta importância a outras coisas que se esqueceu do essencial, que é a
alegria, a expectativa e a novidade da festa, o convívio com todos, que é a
mesa comum e a partilha, o contato, o abraço, o beijo e o afago... O pai
aproxima-se e pergunta: “Por que você não veio preparado para a festa? Por que
está com estes trajes pesados que camuflam o seu ser e não nos deixam te ver
realmente?...”
O pai, na sua imensa misericórdia e
bondade, ainda tenta trazê-la para a festa, insiste que tire as amarras, que jogue
aquelas roupas caras e pesadas e fique apenas com o que é importante. O pai
mostra-lhe as demais pessoas que ali estão, pede que veja como estão felizes
agora e o pai não entende como alguém pode ter se esquecido delas, o pai não
entende como alguém pode ter feito mal a qualquer uma daquelas pessoas que ali
estavam, ou coisa assim. O pai então chama esta pessoa para o meio e quer fazer
uma aproximação, mas a postura da pessoa, sua rigidez, impede-a de ir.
“Isso não é correto”, diz a pessoa... “Não
é esta a lei, não é assim que deveria ser... Eu achei que te conhecia e quis te
impressionar com minha presença... Eu trouxe tudo o que considero importante e ‘estes’
não te trouxeram nada... Como podem se alegrar na presença do noivo?... Quem
são eles, o que fazem?... Olhe aquele e aquele!... Veja aquela!... E aquele lá?!...
Isto não está certo, vai contra o que é correto”.
O pai, com afeição e bondade, olha e
diz: “Eles estão livres e acolheram com bom grado o meu gesto de bondade. Por
que você ficou tão preso nestas coisas e não fez o mesmo?”. A pessoa respondeu:
“Mas eu fiz tudo o que me disseram?”. E o pai respondeu: “E quem disse que está
trajando roupa de festa?”.
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Amig@s!
Acho
que é nisso que devemos nos ater quando nos depararmos em situações como esta
de agora, neste descaso e desrespeito aos homoafetivos e a todos aqueles e
aquelas que sofrem discriminação. Dizer que isso (estas atitudes de
intolerância) é doutrina cristã. Absurdo! Estes discriminados, estes pobres,
negros, mulheres, índios, crianças, estes “homoafetivos” são nossos irmãos e
irmãs, são nossos amigos e amigas, são filhos de amigos, são companheiros de
trabalho e de Igreja, são nossos vizinhos, são os médicos que nos atendem e os
advogados que nos defendem. Ora, podemos ignorar a tal ponto? Qual é o
princípio da fé cristã e em quê estamos nos fundamentando? Se olharmos apenas a
lei pela lei, é bom lembrar que a letra pela letra nos anula, torna-nos cegos;
devemos ter cuidado porque a lei mata e destrói. Contudo, se olharmos para a
vida e obra de Jesus de Nazaré, nós veremos que há um caminho a seguir e este
caminho se faz no declarar “Felizes e Bem-Aventurados” todos aqueles que não
são felizes e não são bem-aventurados na nossa sociedade, e na Igreja. A
prática de vida de Jesus, principalmente por suas bem-aventuranças, provoca-nos
a um olhar mais íntegro e sincero para com aqueles que são mais vulneráveis e
que clamam a nós um gesto de esperança. Devemos ser voz destes e daqueles que
mais precisam, daqueles que trazem hoje um “novo rosto de pobre”, que nos fere na
nossa presunção e que “arde em nós”, como bem disse a Conferência de Aparecida.
Isto
é o que defendemos e é nisto que se apoia a fé cristã. Se para a fé cristã a união
(casamento) deve ser entre um homem e uma mulher e isso é o que vai tornar esta
união um sacramento (matrimônio), tal afirmação verdadeira para a doutrina
cristã não nos dá o direito de agir em agressão a outros e outras que veem numa
união homoafetiva a sua plena realização. A exclusão gera violência, a
violência produz a morte, e assim... O que eles esperam de nós cristãos não é
uma legitimação eclesiástica de sua relação, o que eles esperam é respeito, é o
seu reconhecimento na dignidade da pessoa humana, no seu respeito à vida, na
sua integridade; um gesto de amor e zelo que deve caracterizar o ser e o agir
cristão. Este é um ponto que está se deixando escapar por excessos
fundamentalistas, e isto é perigoso. O olhar do cristão será e deve ser um
olhar de justiça, na intenção do outro, no atendimento ao outro, chamando o
outro à felicidade e à vida.
É
claro que há excessos, é evidente. Mas ele ocorre em vários lados. Em alguns
casos como grito de ajuda e de sobrevivência, em outros, outras razões, não
sei. Mas qual é a nossa postura? Saber conviver com o outro e respeitar a sua
diferença é mais coerente com a proposta cristã e é este o caminho. Se a lei do
Estado tenta favorecer os seus direitos é porque estes são negados, e este é o
dever do Estado: cuidar e proteger os mais vulneráveis, garantindo-lhes
direito. Fazer isso não fere o nosso direito de cristão, muito pelo contrário,
assegura-nos, pois demonstra o caminhar para uma sociedade plena e justa, na
qual reina a paz e a igualdade, num dizer cristão, a fraternidade.
Esta
é uma reflexão que vai longe e não temos suporte para tanto, mas o que fizemos
aqui foi apenas chamar a atenção para alguns pontos, que entendo que são sérios
e urgentes. Talvez você não concorde comigo, e é o seu direito. Eu o respeito.
Mas é assim que vejo e é assim que imagino uma ação cristã, que nunca deve ser
vista como uma propaganda eclesial em busca de mais fiéis, como muitas vezes se
vê e se faz, mas sempre na proposta de seguimento de Cristo e de seu Reino que
diz: “eu tive fome e me deste de comer; tive sede e me deste de beber; eu era
estrangeiro e me acolheste; estava nu, e me vestistes; doente, e me visitastes;
na prisão, e viestes a mim” (Mt 25,35-36). Aí responderemos: Mas como? E Ele dirá,
de modo firme: “todas as vezes que fizestes a um destes mais pequenos, que são
meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40).
Se
nós nos esquivarmos desta atenção a estes “pequenos” e nos recusarmos a ser a
sua voz em prol da justiça, estamos nos esquecendo do caminho que devemos
seguir e estaremos trazendo à nossa consciência os “novos crucificados” de
hoje. Não podemos responder como Caim que interpelou a Deus: “sou eu o ‘cuidador’
de meu irmão?” (Gn 4,9). Se nos mantivermos fechados e se falarmos que esta
causa não nos importa, estaremos deixando estes e estas à sorte, a sorte do
mundo que mata e destrói, que humilha e corrompe. Se tivermos coragem para
isso, deveremos ter também a coragem de responder a Deus quando este nos
perguntar, a modo de Deus a Caim (cf. Gn 4,9-10): Onde está o teu irmão?... Que fizeste?... A voz do sangue do teu irmão
clama do solo a mim!
Será
isso o que queremos? Acho que não!
Rio
de Janeiro, Brasil, 12/04/2013
Cesar Kuzma é Doutor em Teologia pela PUC-Rio.
Autor
do livro “Leigos e Leigas”, da Ed.
Paulus. É um dos organizadores do livro “Age
Deus no mundo?”, da Editora PUC-Rio e Reflexão.