segunda-feira, 20 de agosto de 2012

As escolhas de Jesus de Nazaré - sua práxis de vida


Por Cesar Kuzma - teólogo

Condições sociais para suas escolhas:

Suas escolhas estão totalmente vinculadas às esperanças de um povo específico, o povo de Israel. Jesus assume esta condição e faz da esperança judaica a sua própria esperança.

Dentro desta sociedade – como ainda hoje acontece – as discriminações eram muitas. Jesus se vê diante deste quadro cercado de miséria e opressão. Ele próprio experimentou este escárnio, sentindo na própria pele estas dificuldades provenientes de uma vida cercada por exclusões. A nobreza de Jesus – que alguns escritores tentam evidenciar na tentativa de responder as suas próprias necessidades – acontece posteriormente, devido à compreensão que se teve de sua ressurreição. Após a ressurreição, Jesus passou a ser chamado de Kyrios, de Senhor, daí vêm os títulos cristológicos. Porém, sempre após a ressurreição, com uma construção teológica. Durante sua vida, no entanto, ele foi alguém comum, em meio ao povo comum e com sentimentos comuns de qualquer homem ou mulher de seu tempo. A fé cristã, que surgiu posteriormente, sustenta que ele assumiu toda a condição humana, toda a sua sarx, e o fez da maneira mais sublime (cf. Fl 2,6-9). A cidade onde vivia, chamada de Nazaré, era um centro de passagem de inúmeros comerciantes, de tropas romanas, de viajantes, porém pequena e insignificante politicamente, distante do centro econômico palestino, o que fazia com que as dificuldades em infraestruturas, educação, etc, fossem maiores. Jesus era um homem de periferia, um homem das margens da sociedade, portanto, compreendia profundamente os apelos do povo, pois os tinha como seus. No início de sua vida pública, tal atitude, resultante de alguém de fora dos grandes centros, torna-se motivo de ironia, mesmo entre aqueles que depois se tornariam mais próximos, no caso Natanael: “De Nazaré pode sair algo de bom?” (Jo 1,46).

Suas escolhas passam pela esperança do povo hebreu, podendo ser tanto individual como coletiva. Estas se sustentam nas promessas contidas na Torah (temos que evidenciar aqui que a fé, a religiosidade, encontrava-se no centro da vida do povo, portanto tratava-se de uma esperança viva). Em sua atitude primeira, suas escolhas encontram sintonia com a ação de Javé para com o povo hebreu: Jesus aparece como Libertador, é o messias esperado, embora esta concepção de messias fosse se construindo aos poucos.

Dentre as suas escolhas podemos partir primeiramente destas:

1.   Os pobres: Os pobres constituem uma opção fundamental para Jesus em toda a sua vida pública, fato que depois é assumido pela Igreja. Em seu livro, Jesus de Nazaré (2007), o Papa Bento XVI traz toda a opção da Igreja em favor dos pobres com um fundamento/princípio cristológico. Se Cristo optou primeiramente pelos pobres, a Igreja (nós), a exemplo dele, deve fazer o mesmo. Tal atitude de benevolência não significa que este pobre é alguém melhor do que os outros. Não! Não é nesse ponto que se baseia a opção cristã, mas Jesus vê nele(s) alguém que precisa mais, que deve ter maior atenção, que merece maior respeito e cuidado. Outro ponto que fortalece esta opção é o fato dele mesmo ter sido em sua vida alguém que viveu em meio à pobreza. Ser filho de um carpinteiro (artesão) em Nazaré não era algo totalmente digno; devemos relembrar sempre que Jesus era um homem de periferia, um homem das margens da sociedade, o que trazia inúmeras dificuldades cotidianas... Este fato seguramente incomoda muitos cristãos e, também a Igreja, que se vê, muitas vezes, por motivos diversos, impotente diante da pobreza, para não dizer, em outras palavras, algumas vezes, indiferente.

2.   As crianças: Quando Jesus chama para si as crianças ele procura transmitir a elas uma dignidade que elas não conheciam. As crianças da época não possuíam a dimensão de cidadãs, não possuíam direitos, apenas deveres e, muitas vezes (como é o caso ainda hoje) eram vítimas da escravidão e da opressão. Outro ponto que faz Jesus ter um olhar benevolente com relação às crianças é pela sua capacidade de perceber a gratuidade, fator fundamental para a compreensão do Reino de Deus. Em sua simplicidade elas têm maior facilidade para aceitar o Reino de Deus e a nova proposta de vida trazida por Jesus, fato que não acontecia com as demais pessoas.

3.   As mulheres: Temos aqui uma opção interessante em Jesus, pois já na sua época ele percebeu nas mulheres um interesse maior pelas causas do Reino (fato comprovado ainda hoje em nossas igrejas). Jesus via nelas, além da vontade de seguir a “Boa Nova” pregada por ele, também a exploração que sofriam de seus maridos, filhos e de toda a sociedade. Eram tratadas de maneira inferior, com menor importância, chegando a caráter insignificante. Em algumas orações judaicas rezava-se a Deus, agradecendo, por não ter nascido mulher. O que motivava a isso era uma leitura fundamentalista do Gênesis, marcada pelo patriarcalismo semita (o qual hoje pelo avanço teológico já possuímos outra leitura, no entanto as mulheres ainda sofrem inúmeros preconceitos na sociedade). Assim como as crianças elas não tinham os seus direitos amplamente reconhecidos, podendo ser inclusive, dependendo da situação, comercializadas pela família, em caso de dívidas. Devemos lembrar que estamos diante de uma sociedade patriarcal, onde o homem (varão) possui amplos direitos. Entre as muitas mulheres que seguiram Jesus, destacamos algumas: partindo de sua mãe que possui uma relação íntima e incontestável com ele, encontramos diversas mulheres que se tornaram discípulas deste mestre de Nazaré e o motivo de estarem citadas nos Evangelhos, certamente traduz a importância que estas tiveram no início do cristianismo (ainda não chamado assim). Destacamos Maria Madalena, Marta e Maria, a mulher cananéia, a viúva de Naim, a mulher adultera, a pecadora, as muitas mulheres que o seguiam (anônimas), as mulheres que foram ao túmulo etc. Vejamos que, muitas delas estavam também às margens da sociedade (prostitutas, pecadoras, enfermas, etc). Um rabi que se relacionava com essas pessoas, segundo aquela tradição, tornava-se impuro. Jesus, seguramente, rompe com o antigo e instaura o novo. Há um choque. Na sua proposta de Reino de Deus, estas mulheres discriminadas, excluídas, maltratadas e vítimas da sociedade, precederão a todos no Reino de Deus.

4.   Os doentes, os enfermos: Eram tidos como impuros, pois sua enfermidade era vista como castigo seu ou dos pais. Também havia uma compreensão, por influência de outras culturas, que poderia se tratar de uma possessão demoníaca. Jesus rompe também com este comportamento e instaura uma novidade. Ordena a seus discípulos que curem os doentes. Estes também têm prioridade em sua escolha, pois são excluídos da sociedade.


Cristologia - Ponto de partida: a Ressurreição de Jesus


Toda a teologia é vivida e refletida a partir da ressurreição de Jesus. Todo o NT foi escrito a partir da experiência viva trazida pela ressurreição de Jesus. Logo, ela não é o fim, mas o ponto de início de qualquer reflexão cristológica. Pois se Cristo não ressuscitou vã é a nossa fé (cf. 1Cor 15,14).
Por Cesar Kuzma - teólogo
 
A maneira como eles (os primeiros cristãos – discípulos) compreenderam esta ressurreição foi da fé para a história e não da história para a fé. Isto se evidencia pelo fenômeno de Pentecostes (cf. At 2,1s). A ressurreição é tida pela fé cristã como histórica porque aconteceu na história, marca a história e irrompe nela, pois a constitui.

A partir da experiência da ressurreição os discípulos começaram a re-ler a vida de Jesus, bem como os acontecimentos vividos junto com eles e viram em tudo isso um evento salvífico. Agora, pela força do Espírito Santo eles podem ver o que antes não viam. O mistério é revelado, o véu do templo se rasga...

O ressuscitado aparece (aparições) para eles como alguém que está vivo, mas diferente...

A comunidade primitiva prega agora o Cristo como alguém que está vivo no meio dela. É uma experiência singular que penetra em toda a tradição antiga. Cristo realiza em si toda a esperança messiânica do povo judeu. Ele que, na concepção de muitos contemporâneos seus, era apenas um homem, torna-se, agora, O HOMEM. Aquele que era o messias, o messias político (da entrada em Jerusalém, da expulsão do templo etc), que morreu como um falso messias etc, passa a ser agora o Messias por excelência, chamado por Tomé no Cenáculo como “Meu Senhor e Meu Deus” (uma frase construída num momento pós-pascal).

O ressuscitado traz uma força tamanha que os discípulos, de covardes e desesperançados, passam a ser corajosos e cheios de esperança. O temor dá lugar à fé. A fé vive na esperança e esta se propaga no amor Daquele que Vive.

Com a ressurreição de Cristo dá-se o início de um novo paradigma religioso. Um evento que é capaz de mudar totalmente a história. Consuma-se nele o fim, por isso Cristo ressuscitado é tido como o Último (o Éschaton), o Ômega. É aquele que nos antecipa o futuro e consolida em nós o Espírito prometido, força capaz de relembrar os seus ensinamentos e sua vida (paracleto) e, também, de dar continuidade na construção do Reino de Deus. Na experiência do ressuscitado não somos nós que vamos, mas é Cristo e seu futuro que vem. Somos portadores de uma fé de advento.

A experiência da ressurreição é possível de ser encontrada nos textos do NT. Em Paulo e nos hinos das primeiras comunidades, nos textos mais antigos, é uma experiência totalmente transcendental e escatológica. Para Paulo, o centro de sua pregação está na Paixão, morte e ressurreição de Jesus. Para ele, toda a criação geme em dores de parto à espera do dia da ressurreição final. A ressurreição de Jesus, muito mais do que histórica (ele não se preocupa com isso), é totalmente escatológica: abre o horizonte humano para a nova criação. Nos evangelhos, já se tinha o gérmen de uma comunidade cristã (pronunciada nos AT com a Igreja primitiva) e, com isso, começam a surgir alguns questionamentos: “Quem foi e quem é, de fato, Jesus Cristo, o homem de Nazaré?” (Eis aí uma pergunta teológica). Todos os evangelistas, envolvidos num ambiente histórico distinto, confrontavam-se com uma situação peculiar e buscaram, portanto, responder a esta pergunta, partindo sempre da experiência do ressuscitado para a vida pública de Jesus. Com o passar dos anos, com o aumento da distância do evento da ressurreição, notamos um esfriamento desta experiência pessoal (alimentada também pela morte das testemunhas oculares), fazendo surgir em meio às dúvidas, como decorrência, um amadurecimento teológico. Ou seja, as coisas, os fatos precisavam de melhores explicações, porque os novos crentes passam a ouvir sobre Jesus sem nunca terem estado com ele. A maior discussão é sobre a veracidade da ressurreição de Jesus. Surge então a questão do “túmulo vazio”, “das testemunhas femininas”, do “testemunho dos apóstolos” (referências da comunidade), “da busca por respostas nas profecias judaicas no AT”. Jesus surge como “Novo Moisés”, “O Novo Homem”. De profeta, pregador e messias judeu, passa para Filho de Deus e daqui para Deus...


sexta-feira, 10 de agosto de 2012

"O Anel de Tucum", de Dom Pedro Casaldáliga



“... Chamar-me-ão de subversivo/
Eu responderei incisivo:/
O sou. Pelo meu povo que luta,/
Pelo meu povo que trilha apressado/
Caminhos de sofrimento./
Eu tenho fé de guerrilheiro/
E amor de revolução./
E entre Evangelho e canção/
Penso, e digo o que sei./
Se escandalizo, primeiro/
Eu me abrasei de Paixão/
Na cruz do meu Senhor!”

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

A esperança cristã

Por Cesar Kuzma – teólogo

Falar de esperança é falar da força positiva que nos faz caminhar rumo a um horizonte, onde apenas a alegria de estar caminhando já é, de certa forma, uma experiência transformadora. É uma força que transcende toda e qualquer experiência humana; é uma expectativa que aspira algo supremo, intocável, infinito. Porém, ao mesmo tempo em que se volta ao absoluto, ela se alimenta do cotidiano da história e interage em meio a ela, transforma-a.

Quando a esperança é compreendida como virtude teologal, ela nunca será uma fuga da realidade, mas força de transformação da mesma. Por esta razão, torna-se difícil descrevê-la, antes é preciso se deixar envolver por ela para desfrutar no presente, um kairós vivificante e anunciador de um ainda não futuro. Por isso, as promessas escatológicas (passado), se transformam em prelúdios e anúncios futuros, nos quais é vislumbrado – mesmo que precocemente – um ainda não (futuro), que preconiza, por assim dizer, um eterno presente.
           
No entanto, vale destacar que, aquilo que é objeto de nossa esperança no futuro, aquilo que esperamos e que nos faz caminhar em missão só pode ser compreendido através de Cristo, que traz à humanidade a face amorosa deste Deus que vem e nos oferece a sua salvação, convida-nos à morada eterna, à plenitude. Por esta razão, a nossa fé é advento, é espera; vive-se hoje o gérmen da ressurreição, já realizada em Cristo e, por ele, antecipada a nós pela fé.

O desafio que nos coloca a missão cristã hoje está em encontrar o lócus desta esperança na atual sociedade, com todas as suas pluralidades e complexidades; num mundo de aflição, violência, morte e cultura imediatista; num mundo carente de sentido e de frente ao nihil (ao vazio, ao nada). Se a esperança é a esperança da fé e a fé é vivida neste mundo, aonde Cristo veio e inaugurou o seu Reino, então é neste mundo, com todas as suas variações e situações que devemos atuar como sal da terra e luz do mundo, sendo sinal e prova desta esperança. É neste mundo que somos convidados, enquanto Igreja, comunidade de fé e povo de Deus, a viver e alimentar esta esperança coletivamente, pois aquilo que esperamos se espera para todos, e com todos.

Eis uma breve reflexão daquilo que entendemos como esperança cristã.

Na esperança!

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Irmã Dulce



Na noite de ontem, o SBT transmitiu o programa "o maior brasileiro de todos os tempos". Na parte de ontem, infelizmente, o público teve de decidir entre duas pessoas que dedicaram a sua vida em prol do próximo, sobretudo, os mais pobres: Irmã Dulce e Chico Xavier. O evento e o público escolheram Chico Xavier, uma pessoa que merece o nosso respeito. Parabéns!

No entanto, foi de grande importância trazer à nossa memória a vida desta mulher que marcou uma geração com seu serviço e com sua dedicação aos mais pobres. Irmã Dulce nos faz refletir o papel do cristão no mundo de hoje, a vocação de seguir a Cristo e de se colocar a serviço dos mais necessitados, numa perspectiva do amor. Num universo capitalista como o nosso, cruel e injusto, que cada vez mais divide e exclui as pessoas, ver a vida de alguém que a exemplo de Jesus incluia a todos, é para nós uma imensa alegria. Com certeza, enche-nos de esperança!

Espero que os cristãos de hoje, que muitas vezes apenas olham "para cima" e esquecem de "olhar ao lado", vejam nesta mulher, a imagem e um exemplo de seguimento e de vivência cristã.

Segue link do programa do SBT: