Ao procurar relacionar a teologia dentro do
universo científico e sua especificidade epistemológica este trabalho visa
contribuir de modo sistemático para o porquê da teologia hoje, na intenção de
se destacar a sua relevância e a sua importância, demonstrando, de modo
resumido, de que forma ela se confronta com o universo científico hodierno. Faremos
então uma reflexão sobre a teologia no universo científico, valorizando aquilo
que lhe é próprio e como a partir de seus fundamentos ela pode dialogar com o
mundo contemporâneo. Tais questões nos levarão a falar da teologia diante dos
novos paradigmas acadêmicos e a maneira como os assimila e os responde.
Entraremos naquilo que é o limite entre a teologia e as demais ciências,
salvaguardando que a verdade que ela produz é uma verdade sustentada por uma
questão de fé, própria dela mesma, que realça a sua identidade. Quando isto
está bem claro, tal definição aponta para os seus objetivos e para os seus limites,
para aquilo que lhe é de fato essencial no exercício que lhe condiz.
A reflexão acima, trata-se de um capítulo de livro, de minha autoria, chamado "A teologia no universo científico e sua especificidade epistemológica". Encontra-se na obra "Teologia Pública", de Afonso Maria Ligório Soares e João Décio Passos, publicada pela Paulinas.
O livro conta com importantes reflexões a respeito da teologia no Brasil. Com certeza, é uma obra que dá um rumo importante para o debate teológico atual.
Segundo o NT, a esperança cristã possui como objetivo principal a salvação (soteria), algo que se tornou presente e concreto na pessoa de Jesus
Cristo. Isto é muito bem elucidado por Paulo em suas cartas, como também no hino
da Epístola aos Efésios (Carta tradicionalmente atribuída a Paulo, mas como já
se sabe hoje, não é de Paulo):
Bendito seja o Deus e Pai
de nosso Senhor Jesus Cristo,
que nos abençoou com toda a sorte
de bênçãos espirituais,
nos céus, em Cristo.
Nele nos escolheu
antes da fundação do mundo,
para sermos santos e irrepreensíveis
diante dele no amor.
Ele nos predestinou para sermos
seus filhos
adotivos por Jesus Cristo,
conforme o beneplácito da sua vontade,
para louvor e glória da sua graça
com a qual ele nos agraciou no Amado.
E é pelo sangue deste que temos a redenção,
a remissão
dos pecados,
segundo a
riqueza de sua graça,
que ele derramou profusamente sobre nós,
infundindo-nos toda sabedoria e inteligência,
dando-nos a conhecer
o mistério da sua vontade,
conforme decisão prévia que lhe aprouve tomar
para levar o
tempo à plenitude:
a de Cristo
encabeçar todas as coisas,
as que estão
nos céus e as que estão na terra.
Nele, predestinados pelo propósito
daquele que tudo opera
segundo o conselho da sua vontade,
fomos feitos
sua herança,
a fim de servirmos para seu louvor e glória,
nós os que antes esperávamos em Cristo.
Nele também vós,
tendo ouvido a Palavra da verdade
– o evangelho da
vossa salvação –
e nela tendo crido,
fostes selados
pelo Espírito da promessa,
o Espírito
Santo,
que é o penhor da nossa herança,
para a redenção do povo que ele adquiriu
para seu louvor e glória (Ef 1, 3-14).
Ao analisarmos brevemente este texto, podemos observar que já há na sua
teologia uma certeza produzida pela
esperança. Dizemos aqui que já é um reflexo da experiência espiritual do
próprio autor (ou comunidade primitiva – influenciada pela experiência de
Paulo)[1].
Paulo sempre utiliza o termo grego elpis
para caracterizar a sua esperança, porém a reafirma mediante os conceitos do
AT. Assim, ousamos dizer aqui que se trata de uma espera confiante e perseverante. Algo que é sustentado pela
revelação de Cristo contida na cruz e na ressurreição. Neste hino de Efésios, o
autor sintetiza todo o mistério salvífico contido na encarnação de Jesus, para
isto, ele demonstra a vontade salvífica de Deus atuante desde a eternidade:
“nos escolheu antes da fundação do mundo”. Esta vontade salvífica se sustenta
por toda a história e culmina com Cristo, nosso Deus e Senhor, conforme Paulo
escreveu em outra carta: “A imagem do Deus invisível” (Cl 1,15). É reforçado o
destino humano para com Deus, sustentado na
esperança da salvação e, ressaltado pela filiação divina. Tudo, porém,
acontece por obra da graça, fruto do amor de Deus, “com a qual ele nos agraciou
no Amado”.
Esta encarnação, obra amorosa de Deus, encaminha a humanidade à sua
remissão completa. Tudo que foi assumido pelo Filho será redimido, dirão os
Padres da Igreja[2]. Assim,
confirmamos que, Cristo é a Palavra viva do Pai, é o Logos eterno, Evangelho da nossa salvação, que sela pelo Espírito Santo a consumação de toda a criação. Cristo
assume a humanidade no desejo de que a humanidade compartilhe da sua divindade,
só assim, Cristo será tudo em todos (cf. 1Cor 15,28). Trata-se do mistério da verdade, escondido desde
antes da criação do mundo e revelado agora para a salvação de todos e para a
glória de Deus Pai. Segundo essa teologia a nossa esperança tem endereço certo
e por essa razão se confirma. É algo seguro capaz de nos transformar em novos seres, portadores de uma nova vida. Vejamos isso de maneira mais
detalhada a partir de trechos extraídos do hino:
1) Filhos adotivos por Jesus Cristo:
Esta adoção se concretiza pela encarnação do Filho, para a qual Deus nos
predestinou desde toda a eternidade, a ponto de sermos seus filhos adotivos por
Jesus Cristo. Somos desta forma, cobertos de bênçãos espirituais em que o
próprio Deus, em Cristo, decide por fazer parte da nossa humanidade. Ao
assumi-la, Ele se torna igual a nós e, evidentemente, torna-nos iguais a Ele[3]. É
uma proximidade única que nos direciona para um lugar definitivo, pois o
endereço do filho sempre será na casa do Pai. No momento que aceitamos isso,
adquirimos a confiança necessária para se comprometer com o plano de Deus para
toda a humanidade. Percebemos, então, que o nosso futuro está com Deus e em Deus. Ele é a nossa
força e a nossa esperança.
2) Redenção e remissão pela graça:
“E é pelo sangue deste que temos a redenção, a remissão dos pecados, segundo a
riqueza de sua graça” (Ef 1,7). Esperamos deste modo o perdão e a justificação
de toda a falta e de todo o pecado. Somos justificados pelo seu amor. Em Cristo
todos morremos. Ele assume a nossa morte em sua morte, se faz pecado para do
pecado nos libertar. Esta sua ação reflete em toda a humanidade que foi de uma vez por todas marcada e redimida
com o seu sangue. A cruz possui um significado ainda maior porque reflete a
ressurreição, que é o grande sinal de salvação, o sinal da certeza. É neste ponto que se situa a esperança cristã, no entanto
ela não rejeita a cruz, visto que o Ressuscitado é antes o Crucificado. O ponto
principal da esperança cristã aqui é a justificação do pecador, fruto da graça
divina[4]. E,
para o autor da epístola, esta remissão acontece de forma gratuita em Cristo:
“Mas Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou,
quando estávamos mortos em nossos delitos, nos vivificou juntamente com Cristo
– pela graça fostes salvos! – e com ele nos ressuscitou...” (Ef 2,4-6).
3) Do tempo à plenitude: Deus
se tornou tempo para que o tempo se tornasse eterno. Este é o kairós responsável pela nossa salvação.
A esperança cristã se confirma na Parusia,
vinda gloriosa de Cristo, que pela sua ressurreição inaugura um novo tempo, uma nova humanidade, que chegará à sua plenitude, onde Cristo passará a
ser tudo em todos (cf. 1Cor 15,28) e entregará tudo ao seu Pai, para sua eterna
glória. Assim se completará a obra da salvação e a criação chegará ao seu fim,
que não é um fim-fim, mas um fim-para, para o eterno. O marco deste
fato, o momento kairós é a
ressurreição de Cristo, que abre definitivamente à história da criação o seu
futuro escatológico, conforme a mesma carta confirma mais adiante: “O que
desceu é também o que subiu acima de todos os céus, a fim de plenificar todas
as coisas” (Ef 4,10). Nesta perspectiva, Cristo é a chave deste futuro. Ele se
torna o Éschaton, pois assume em seu
ser a plenitude da vida e, com isso, a plenitude do tempo, que rompido para
sempre se torna eterno.
4) A herança do Filho: Por obra
da graça somos herdeiros de todos os bens espirituais que Cristo deixou. Como
aparece também em Romanos: “E se somos filhos, somos também herdeiros,
herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo, pois sofremos com ele para também
com ele sermos glorificados” (Rm 8,17). Somos também os destinatários do Reino
e do seu Evangelho, que em sua mensagem nos traz a salvação eterna. Portanto, a nossa esperança desta salvação
consiste no fato de que em Cristo, somos herdeiros de uma vida nova, que com Ele nos revestimos do Homem Novo, criado segundo Deus na justiça e santidade da verdade (cf.
Ef 4,24).
5) Cristo, o Evangelho da salvação:
A expressão Evangelion é uma palavra
predominantemente paulina. Das 76 ocorrências no NT 60 são dentro do corpo de
suas cartas. É uma palavra-chave da sua teologia e da maneira como assume a
posição de apóstolo, decidindo por toda a sua vida evangelizar. Isto significa
levar a Boa Nova, a novidade que Cristo traz. Ele enriquece o conteúdo do
evangelho como força de salvação.
Para Paulo somente o evangelho de Cristo justifica e defende a fidelidade a
Deus[5].
Por certo, a nossa esperança se fundamenta em Cristo. Seu Evangelho se torna uma
força capaz de transformar a nossa vida e a vida ao redor, levando à plenitude
toda a obra da criação. O evangelho de Cristo é um sinal visível de salvação,
portanto, de esperança. Cristo é a pedra angular (cf. Ef 2,20). Nele somos edificados
para sermos habitação de Deus, no Espírito (cf. Ef 2,21).
6) Selados pelo Espírito da
promessa: O que solidifica a nossa certeza, que nos impulsiona a fé, é a
marca que trazemos do Espírito Santo. É impossível haver esperança sem que haja
a ação do Espírito. Foi Ele quem falou outrora pelos profetas, que guiou a
Cristo e que hoje conduz a Igreja. Ele é que nos conduz pelo caminho verdadeiro
e nos direciona a plenitude do Reino. Para a comunidade paulina a certeza do
Espírito era tão importante quanto à certeza da ressurreição de Cristo. Estas
duas coisas estavam totalmente interligadas. É a marca do cristão, que pela promessa assegura-se na sua esperança,
que no Espírito sempre se renova[6].
Frisamos aqui a palavra promessa porque ela só pode ser compreendida como
evento de revelação de Deus à luz do Espírito Santo.
Assim, partindo deste hino cristão
da Epístola aos Efésios, ousamos alicerçar a esperança na promessa de salvação
de Deus que foi concretizada em Jesus Cristo. Ele é a nossa esperança. Somente
por meio Dele podemos ser chamados de filhos. Temos em Cristo um irmão maior, que por amor nos redimiu e
fez cumprir em nós as primícias do Espírito
(cf. Rm 8,22-24). Somos agora herdeiros de uma nova vida que se inicia, é um novo
tempo que advém e transforma o que era velho em novo. Este é o
Evangelho de Jesus Cristo. Este é o Evangelho da Promessa, capaz de despertar
em nós a esperança para um futuro que já
irrompeu no Cristo ressuscitado, mas que para nós ainda não é vislumbrado totalmente. Vivemos, então, pelo Espírito
da promessa, ansiando a libertação definitiva.
[2] É
uma expressão muito usada na Patrística, porém ilustramos aqui com uma bela
passagem de Gregório de Nazianzeno (329-390), uma poesia que retrata a natureza
humana: “... finalmente o Cristo, que uniu a sua natureza à nossa para trazer
socorro a meus sofrimentos através de seus divinos sofrimentos, para
divinizar-me graças a sua condição humana”. GREGÓRIO NAZIANZENO. Poema sobre a
natureza humana. In: GOMES, C. F. Antologia
dos Santos Padres, p. 192.
[3]
Colocamos o adjetivo igual por entendermos que sua encarnação não o deixa
apenas semelhante a nós, mas o fez verdadeiramente um ser humano, como atesta o
credo cristão.
[4]
Sobre as implicações acima mencionadas e que são resultados da morte expiatória
de Jesus, ponto importante da teologia paulina, indicamos: DUNN, J. D. G. Op.
cit., p. 251-280. Cf. tb.: KESSLER, H. Cristologia. In: SCHNEIDER, T. (Org.). Manual de dogmática, p. 253-257, v. 1.
Sobre a graça, indicamos: MIRANDA, M. F. A
salvação em Jesus Cristo, p. 107-113. BOFF, L. A graça libertadora do mundo. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1977.
PESCH, O. H. Graça.In: Dicionário de conceitos fundamentais de
teologia, p. 327-332. LA PEÑA,
J. L. R. Graça.In: Dicionário de conceitos fundamentais do
cristianismo, p. 319-325. E, por fim, dois clássicos agostinianos:
AGOSTINHO. A graça I. Trad. Agustinho
Belmonte. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1999. Id. A graça II. Trad. Agustinho Belmonte. São Paulo: Paulus, 1999.
[6]
Para maiores informações sobre a compreensão do Espírito Santo e a Esperança em
Paulo, consultar a seguinte obra já citada anteriormente: DUNN, J. D. G. Op.
cit., p. 472-502.
Ao meditarmos esta belíssima poesia de Dom Pedro Casaldáliga, fica para nós aqui, a marca da esperança. Uma esperança que se desvela e que se concretiza na história do povo da América Latina, que se faz sentir nas vicissitudes da vida e que se alimenta do cotidiano de homens e mulheres que caminham na fé; uma fé que faz viver e que liberta, que traz esperança. Com razão, o poeta, bispo e teólogo, diz: “No Reino do céu/ Da morte vencida/ A vida, a vida/ Dos filhos de Deus”.
Segue vídeo, com palavras de Dom Pedro Casaldáliga (Romaria dos Mártires - 2006):