Por Cesar Kuzma - teólogo
Ao apresentarmos neste artigo a liberdade de Jesus em relação à Lei, pretendemos deixar bem claro
que se trata aqui da Lei religiosa judaica, responsável pela religião da época,
como também pela prática de vida daquelas pessoas contemporâneas de Jesus. O
nosso objetivo é demonstrar de modo resumido os reflexos desta atitude em sua
vida, como também as consequências.
Vejamos.
A atitude de Jesus de Nazaré em relação à Lei e a sua
religião reproduzem uma expressão de profunda liberdade. Ao fazer isso ele
procurou atingir o coração da Lei, para atingir assim o ser humano, que para
ele, é o destinatário da Lei. Do mesmo modo como ele a respeitou, também trouxe
para ela um novo significado, um
sentido novo e desconcertante para o que era proposto na época. Encontramos
aqui o discurso incômodo e inquieto de Jesus com o qual ele
confrontou os líderes do povo de sua época.
Esta liberdade com que interpretou a Lei transformou a
sua missão numa missão-serviço. Provou
que a Lei não veio para escravizar o ser humano, mas para torná-lo livre em
relação a si mesmo, ao próximo e, consequentemente, a Deus. Jesus agiu como “messias escatológico do Reino de Deus”.
Sua missão iniciou-se já neste mundo,
mas transcende para um futuro maior, para um Absoluto. Portanto, esta Lei
através da qual Jesus demonstra certa liberdade é a Lei mosaica que para o NT
vai até João Batista, apresentado pelos estudiosos bíblicos como a última
pessoa do AT (numa concepção cristã), mas que com Jesus ela irrompe em algo
novo. O conteúdo da pregação de Jesus é o Reino
de Deus e este Reino já está
presente e atuante no meio do povo.
Fica evidente com isso que, para Jesus o ponto central
da Lei é o ser humano (pois ele é o destinatário) e a sua relação íntima com
Deus. As ações de Jesus face a esta Lei desestabilizam a sociedade da época em
sua estrutura, pois esta a utiliza para assegurar-se a si mesma e excluir aos
demais que não se encaixam naquilo que é exigido. A maneira como a apresentam
(pelos fariseus e doutores) tira das pessoas a sua liberdade e a sua dignidade,
colocando-as fora do encontro com Deus e com os irmãos. Com certeza, por sua
vez, sentem-se, sobremaneira, excluídos e até se afirmam como pecadores
(maneira como eram tratados todos aqueles que eram excluídos da sociedade, por
qualquer motivo ou razão. Trata-se de uma construção social). Esta atitude
farisaica, acusada e condenada severamente por Jesus, chega a ponto de que, se
alguém se relacionar com eles é também mencionado como pecador. Jesus por
várias vezes critica esta atitude preconceituosa, ao mesmo tempo em que insiste
em sua práxis por voltar a sua atenção a estas pessoas, fato que não é
compreendido. Entendemos aqui as inúmeras refeições que ele faz com publicanos
(cobradores de impostos), sua atitude em relação às mulheres, crianças,
doentes, leprosos, etc.
Em face disso, Jesus respeita a Lei, mas rejeita a Lei
pela Lei. Esta atitude apresentada por ele vai totalmente contra a atitude
farisaica que se serve da lei e se acha digna pela rigorosa prática da mesma.
Nota-se que em seus discursos e parábolas Jesus sempre se confronta com estas
atitudes dos fariseus para mostrar a eles em que realmente consiste a essência da Lei. Jesus utiliza-se dela
para servir aos mais necessitados e quando esta os exclui, aí sim ele a
rejeita.
Outro problema enfrentado por Jesus em relação à Lei é
à questão do sábado. Jesus afirma que
o ser humano não foi feito para o sábado e sim o sábado para o ser humano.
Jesus não se recusa a curar em dias de sábado (como previa a Lei) e nem
repreende os seus discípulos quando estes recolhem as espigas. Ao contrário,
ele tem plena liberdade do que faz porque está imbuído da prática do Reino e vê
nesta causa algo maior que a mera observância da Lei. Obviamente isso não era
bem visto por setores mais conservadores da sociedade que procuram tirar Jesus
de circulação, a fim de manter a suposta “ordem” por eles estabelecida.
Podemos concluir esta breve reflexão afirmando que
Jesus coloca na Lei a compreensão para o ser humano se entender enquanto humano
diante do amor e da graça de Deus. A abertura que se deve ter em relação à Lei
é a mesma que se deve ter para acolher o amor de Deus, que é fruto da graça, é
dom, é gratuito. Aqui está a liberdade.
Jesus de Nazaré nos propõe uma prática da Lei a serviço do Reino, só assim ela
se torna viva e transforma a realidade. Há aqui a possibilidade de construir um
mundo novo, mais humano e digno.
Esperamos conseguir, a exemplo de Jesus, a liberdade
de acolher este amor que em nós é derramado (Rm 5,5). Façamos o mesmo.
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