Por Cesar Kuzma - teólogo leigo
Lá
vai Francisco pelo caminho... É com uma lembrança da música de Vinícius de
Moraes (Lá vai São Francisco pelo caminho)
que iniciamos a nossa reflexão, na intenção de fazer valer aqui o nosso simples
olhar sobre o primeiro mês de Pontificado de Francisco.
Depois
do honroso gesto de renúncia de Bento XVI que demonstrou ao mundo a
simplicidade e o ponto alto do ministério que é (e deve ser sempre) o serviço, com
a coragem de apresentar à Igreja a “fabilidade”
da “infabilidade”, para com isso
resplandecer a verdadeira “infalibilidade”,
que acontece quando a Igreja (em todo o seu conjunto) se deixa conduzir e guiar
pela ação do Espírito, algo aconteceu no dia 13 de março de 2013. Depois deste
episódio fomos apresentados a um homem que chegou a Roma vindo (como ele mesmo se
apresentou) do “fim do mundo”, mas fazendo alargar o olhar da Igreja para além
do continente europeu e para outras realidades enfrentadas pelas comunidades de
fé e por todos aqueles homens e mulheres de boa vontade. Depois deste evento,
apresentou-se a nós o novo “bispo de Roma” que adotou o nome de “Francisco”,
com um olhar direto para São Francisco de Assis, o santo dos pobres, que na sua
nudez e simplicidade disse a Igreja um novo modo de ser, mais próximo ao homem
de Nazaré, que é o Cristo, o sustento de toda a fé. Como bem acentuou Leonardo
Boff em várias ocasiões: “Francisco não é um nome, mas é um projeto de Igreja”.
Já
nos primeiros minutos a postura de Francisco trouxe novas impressões: um papa
que não se chama papa, mas que insiste em se chamar de “bispo de Roma”, na
intenção, muito provável, de resgatar a colegialidade eclesial, ponto forte do
Vaticano II e que não foi posto em prática de maneira concreta; um Francisco
que se apresenta ao povo de modo simples e sem gestos de vitória, mas apenas
com a batina branca, usando a estola somente na hora de abençoar os fiéis,
tirando-a logo em seguida; um Francisco que antes de qualquer coisa se curva
diante do povo que está na Praça de São Pedro e pede a eles a benção, este
gesto (talvez de momento) foi de uma riqueza incrível e com grandes
consequências, o “povo”, o “povo de Deus” é reconhecido, é tratado com
dignidade (este será um fato para sempre lembrado); um Francisco que usa
sapatos comuns, que usa uma simples cruz de metal, que não usa o anel de ouro, que
paga as suas contas, que se recusa morar no quarto pontifício, mas que vai a um
quarto simples na casa ao lado, onde convive, celebra e tomas as suas refeições
com outras pessoas; um Francisco que abandona o trono e passa a usar uma
simples cadeira; um Francisco que não usa os adornos carregados, mas que se
comporta como um bispo, que abre mão da mitra em muitas ocasiões e que se senta
muitas vezes ao fundo para observar, respeitando o andar das coisas; um
Francisco que fala dos pobres e conclama uma Igreja dos pobres para os pobres,
relembrando aqui muitos bispos latino-americanos que marcaram a nossa história;
um Francisco que fala do amor, mas do amor “misericordioso”, um amor que se
desprende e vai “rebaixado” ao encontro do outro, porque é o seu próximo; um
Francisco que se sente bem em caminhar no meio do povo, que prefere tocá-los e
deixa que eles o toquem; um Francisco que vai ao povo como a quem vai a um
amigo, fugindo dos protocolos e das amarras que o cargo lhe traz e lhe incomoda;
um Francisco que foi ao Conclave e apresentou aos demais alguns pontos urgentes
de uma Igreja que precisa de reformas e nota-se que ele as quer; um Francisco
que com sua atitude afasta (mas sem que esta seja a sua intenção) um grupo de tradicionalistas
que sempre se apoiaram nos braços de Roma e agora sentem-se incomodados com a
liberdade com que Francisco aborda as questões e com a maneira como ele não dá
importância a fardos litúrgicos carregados que nada acrescentam; um Francisco
que incomoda a alguns, mas que atrai a outros, principalmente os mais pobres
que viram nele alguém que os entende; um Francisco que também atrai um grande
número de teólogos (que estavam excluídos) que viram nele uma alternativa de
mudança e de por em prática as questões do Vaticano II, os teólogos veem no
Francisco um ponto novo e resolveram dar-lhe a confiança; um Francisco que aproxima
das decisões da Igreja as congregações religiosas que estavam tão afastadas e
que decide nomear uma Comissão para auxiliá-lo nas decisões e reformas futuras,
fato que já incomodou a vários. Este é Francisco, aquele que perdoou os
cardeais por terem votado nele... E que vai aos poucos abrindo caminho...
Se
ele vai mudar muita coisa e se ele vai fazer as reformas que todos queremos,
bom, é só o tempo que vai dizer esta resposta. O que ele faz é mudar primeiro
em si mesmo, pois também para ele é algo novo e que deve ser assimilado. Ao
assumir o Pontificado, é claro que é o Bergoglio que o faz, mas ao dizer que o seu
nome é “Francisco”, bem, aí há uma ruptura de estrutura (e estruturas), que
deverá, em alguns casos, tirar as “vestes” que nos arrastam para libertar-se na
esperança de um novo tempo que surge e quer (urgentemente) acontecer.
Não
sabemos o que vai acontecer, por ora, podemos ter esperança e se lançar ao novo
que está por vir. Não será fácil para ele, pois o poder institucional não
cederá tão facilmente. Mas é aí que nós poderemos ver, de fato, se a Igreja é o
que é pela sua essência ou se ela é o que é por outras forças. Vale agora um
gesto de confiança, e de esperança.
Mas situações
acontecem e ele (Francisco) as vê, sente e sabe. No dia de sua posse na Praça de
São Pedro, durante a celebração, com um rito ainda carregado e que deixava Francisco
um tanto incomodado, notou-se que no momento da comunhão, Francisco sentou-se e
olhou à multidão. O que passou pela sua cabeça? As inquietações que sentiu, que
vontades sentia naquele instante? Ele estava no meio de tantos, mas também tão
sozinho... Perguntas que talvez passassem por sua cabeça. De repente, e este é
o ponto, ao olhar a multidão, e a televisão focou bem esta imagem, uma faixa é
levantada e se apresenta acima de outras tantas que ali estavam. Percebe-se que
Francisco a viu. A frase dizia, em italiano: “Francesco, ripara la mia casa”.
Amigos,
esta frase inquietou o Poverello de
Assis quando sentiu o seu chamado e passou a reconstruir a Igreja com as
próprias mãos. Esta frase, com certeza, inquietou o Papa Francisco e vai
inquietá-lo durante todos os dias do seu pontificado. Isso é certo! O que
podemos esperar e pedir é que esta frase também inquiete e incomode a nós, os
Franciscos e Franciscas da vida, do mundo e da Igreja, para saibamos a razão
pela qual aqui estamos e para que fomos chamados. Que esta frase não saia da
nossa mente e do nosso coração: “Francisco,
Francisco, vai e reconstrói a minha Igreja que está em ruínas”.
É
isso. Lá vai Francisco pelo caminho...
Rio
de Janeiro, 13 de abril de 2013.
Cesar Kuzma é Doutor em Teologia pela PUC-Rio.
Autor
do livro “Leigos e Leigas” da Ed.
Paulus. É um dos organizadores do livro “Age
Deus no mundo?” da Ed. PUC-Rio e Reflexão.
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