sábado, 13 de abril de 2013

Lá vai Francisco pelo caminho... / Um mês de pontificado de Francisco - novas posturas e sinais de novos tempos...


Por Cesar Kuzma - teólogo leigo

Lá vai Francisco pelo caminho... É com uma lembrança da música de Vinícius de Moraes (Lá vai São Francisco pelo caminho) que iniciamos a nossa reflexão, na intenção de fazer valer aqui o nosso simples olhar sobre o primeiro mês de Pontificado de Francisco.

Depois do honroso gesto de renúncia de Bento XVI que demonstrou ao mundo a simplicidade e o ponto alto do ministério que é (e deve ser sempre) o serviço, com a coragem de apresentar à Igreja a “fabilidade” da “infabilidade”, para com isso resplandecer a verdadeira “infalibilidade”, que acontece quando a Igreja (em todo o seu conjunto) se deixa conduzir e guiar pela ação do Espírito, algo aconteceu no dia 13 de março de 2013. Depois deste episódio fomos apresentados a um homem que chegou a Roma vindo (como ele mesmo se apresentou) do “fim do mundo”, mas fazendo alargar o olhar da Igreja para além do continente europeu e para outras realidades enfrentadas pelas comunidades de fé e por todos aqueles homens e mulheres de boa vontade. Depois deste evento, apresentou-se a nós o novo “bispo de Roma” que adotou o nome de “Francisco”, com um olhar direto para São Francisco de Assis, o santo dos pobres, que na sua nudez e simplicidade disse a Igreja um novo modo de ser, mais próximo ao homem de Nazaré, que é o Cristo, o sustento de toda a fé. Como bem acentuou Leonardo Boff em várias ocasiões: “Francisco não é um nome, mas é um projeto de Igreja”.

Já nos primeiros minutos a postura de Francisco trouxe novas impressões: um papa que não se chama papa, mas que insiste em se chamar de “bispo de Roma”, na intenção, muito provável, de resgatar a colegialidade eclesial, ponto forte do Vaticano II e que não foi posto em prática de maneira concreta; um Francisco que se apresenta ao povo de modo simples e sem gestos de vitória, mas apenas com a batina branca, usando a estola somente na hora de abençoar os fiéis, tirando-a logo em seguida; um Francisco que antes de qualquer coisa se curva diante do povo que está na Praça de São Pedro e pede a eles a benção, este gesto (talvez de momento) foi de uma riqueza incrível e com grandes consequências, o “povo”, o “povo de Deus” é reconhecido, é tratado com dignidade (este será um fato para sempre lembrado); um Francisco que usa sapatos comuns, que usa uma simples cruz de metal, que não usa o anel de ouro, que paga as suas contas, que se recusa morar no quarto pontifício, mas que vai a um quarto simples na casa ao lado, onde convive, celebra e tomas as suas refeições com outras pessoas; um Francisco que abandona o trono e passa a usar uma simples cadeira; um Francisco que não usa os adornos carregados, mas que se comporta como um bispo, que abre mão da mitra em muitas ocasiões e que se senta muitas vezes ao fundo para observar, respeitando o andar das coisas; um Francisco que fala dos pobres e conclama uma Igreja dos pobres para os pobres, relembrando aqui muitos bispos latino-americanos que marcaram a nossa história; um Francisco que fala do amor, mas do amor “misericordioso”, um amor que se desprende e vai “rebaixado” ao encontro do outro, porque é o seu próximo; um Francisco que se sente bem em caminhar no meio do povo, que prefere tocá-los e deixa que eles o toquem; um Francisco que vai ao povo como a quem vai a um amigo, fugindo dos protocolos e das amarras que o cargo lhe traz e lhe incomoda; um Francisco que foi ao Conclave e apresentou aos demais alguns pontos urgentes de uma Igreja que precisa de reformas e nota-se que ele as quer; um Francisco que com sua atitude afasta (mas sem que esta seja a sua intenção) um grupo de tradicionalistas que sempre se apoiaram nos braços de Roma e agora sentem-se incomodados com a liberdade com que Francisco aborda as questões e com a maneira como ele não dá importância a fardos litúrgicos carregados que nada acrescentam; um Francisco que incomoda a alguns, mas que atrai a outros, principalmente os mais pobres que viram nele alguém que os entende; um Francisco que também atrai um grande número de teólogos (que estavam excluídos) que viram nele uma alternativa de mudança e de por em prática as questões do Vaticano II, os teólogos veem no Francisco um ponto novo e resolveram dar-lhe a confiança; um Francisco que aproxima das decisões da Igreja as congregações religiosas que estavam tão afastadas e que decide nomear uma Comissão para auxiliá-lo nas decisões e reformas futuras, fato que já incomodou a vários. Este é Francisco, aquele que perdoou os cardeais por terem votado nele... E que vai aos poucos abrindo caminho...

Se ele vai mudar muita coisa e se ele vai fazer as reformas que todos queremos, bom, é só o tempo que vai dizer esta resposta. O que ele faz é mudar primeiro em si mesmo, pois também para ele é algo novo e que deve ser assimilado. Ao assumir o Pontificado, é claro que é o Bergoglio que o faz, mas ao dizer que o seu nome é “Francisco”, bem, aí há uma ruptura de estrutura (e estruturas), que deverá, em alguns casos, tirar as “vestes” que nos arrastam para libertar-se na esperança de um novo tempo que surge e quer (urgentemente) acontecer.

Não sabemos o que vai acontecer, por ora, podemos ter esperança e se lançar ao novo que está por vir. Não será fácil para ele, pois o poder institucional não cederá tão facilmente. Mas é aí que nós poderemos ver, de fato, se a Igreja é o que é pela sua essência ou se ela é o que é por outras forças. Vale agora um gesto de confiança, e de esperança.

Mas situações acontecem e ele (Francisco) as vê, sente e sabe. No dia de sua posse na Praça de São Pedro, durante a celebração, com um rito ainda carregado e que deixava Francisco um tanto incomodado, notou-se que no momento da comunhão, Francisco sentou-se e olhou à multidão. O que passou pela sua cabeça? As inquietações que sentiu, que vontades sentia naquele instante? Ele estava no meio de tantos, mas também tão sozinho... Perguntas que talvez passassem por sua cabeça. De repente, e este é o ponto, ao olhar a multidão, e a televisão focou bem esta imagem, uma faixa é levantada e se apresenta acima de outras tantas que ali estavam. Percebe-se que Francisco a viu. A frase dizia, em italiano: “Francesco, ripara la mia casa”.

Amigos, esta frase inquietou o Poverello de Assis quando sentiu o seu chamado e passou a reconstruir a Igreja com as próprias mãos. Esta frase, com certeza, inquietou o Papa Francisco e vai inquietá-lo durante todos os dias do seu pontificado. Isso é certo! O que podemos esperar e pedir é que esta frase também inquiete e incomode a nós, os Franciscos e Franciscas da vida, do mundo e da Igreja, para saibamos a razão pela qual aqui estamos e para que fomos chamados. Que esta frase não saia da nossa mente e do nosso coração: “Francisco, Francisco, vai e reconstrói a minha Igreja que está em ruínas”.

É isso. Lá vai Francisco pelo caminho...


Rio de Janeiro, 13 de abril de 2013.

Cesar Kuzma é Doutor em Teologia pela PUC-Rio.
Autor do livro “Leigos e Leigas” da Ed. Paulus. É um dos organizadores do livro “Age Deus no mundo?” da Ed. PUC-Rio e Reflexão.

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