quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

E quem disse que estamos trajando roupa para a festa? Uma reflexão a partir da parábola da “Festa Nupcial” (cf. Mt 22,1-14; par Lc 14,20-24)



Por Cesar Kuzma

Havia um homem que morava em certa cidade e nela ele alimentava as suas relações há bastante tempo. Em tudo ele era referência e a ele todos se reportavam. Era como se dissesse que em cada canto daquela cidade se manifestava algo que tinha a ver com aquele homem, que nunca invadiu a mesma em sua maneira de ser, mas que respeitava o seu ir e vir, aquilo que lhe era próprio, a sua liberdade. O que ele queria era salvaguardar que tudo seria bom e que tudo teria um bom fim.

Aconteceu que com o passar do tempo esta cidade foi aumentando em tamanho e crescendo em número de pessoas e, com o agito que circulava o seu bem estar, as pessoas foram se afastando e passaram a viver em outros propósitos e direções... O velho homem já nem era tão lembrado, sua referência estava distante, os mais novos nem o conheciam, e aos demais, ele foi alguém que trouxe sentido ali uma vez, mas que os tempos agora eram outros e havia outras e mais urgentes preocupações.

Mas chegou o tempo que o filho deste homem atingiu uma maturidade e no momento certo saiu da casa do pai e foi seguir o seu rumo, dando continuidade ao plano do pai, em comunhão, mas num jeito que lhe era próprio, específico e seu. A fidelidade ao pai era mantida e um guardião de extrema ligação com o pai e o filho acompanhava e guiava os seus passos. Nesta cidade, este filho chegou como um estranho, não quis se mostrar como filho do pai, mas quis fazer conhecer a vontade do pai por sua disposição e serviço. Ele se enamorou da cidade e dedicou-se inteiramente a ela, e nela encontrou e escolheu para si a sua noiva, levando-a consigo, para um encontro maior e pleno, um encontro no amor, na sua casa, na casa de seu pai.

A alegria do pai era tanta que resolveu fazer uma grande festa. Era o momento maior, sublime, era a união do seu filho com alguém que trazia a marca daquela cidade que o pai tanto amou e cuidou. Prepara-se a festa, um banquete, jamais alguém ouviu falar em algo tão grande, era um evento extraordinário. O pai na sua alegria e bondade pede que convidem todas as pessoas importantes da cidade, dedica horas a elas, sabe da importância que tem e espera deles o reconhecimento. Mas o pai estava esquecido e poucos ainda se importavam com ele, e recusaram o seu convite. O pai não se abalou, ainda era tempo de festa e mandou chamar a outros, pessoas de sua estima, pessoas em quem ele depositou confiança e apego; foram-se os convites, mas também estes recusaram. O pai sente, é um golpe forte, era como se ele não existisse mais, estava esquecido. Aqueles a quem ele tanto amou, recusaram a sua presença. O pai lamenta, sofre, mas vê a alegria do filho e quer ser fiel com ele, pois assim será fiel a sua noiva, que representa aquilo e aqueles que ele tanto quis. Era festa, era alegria, o pai pede e envia convites a todas as pessoas que ele conhece, vai aos lugares mais escuros e esquecidos da cidade, ele chama “a todos”: ele chama os pobres, os doentes, os que estavam na dependência química, os bêbados e moribundos, os que eram discriminados pela sociedade, os divorciados, os homoafetivos, os negros, os índios, as mulheres que foram espancadas por seus filhos e maridos, as prostitutas, os presos, as vítimas da violência, enfim, chama a “todos aqueles que ninguém vê, que ninguém toca e que ninguém sente”. O pai chama aqueles que são mais vulneráveis e diz que é para eles que ele preparou a festa. O pai estende a estes o seu convite, e para a alegria do pai, do filho e da noiva, eles aceitam o convite e se dirigem a casa do pai para festejar. Era uma alegria! Um entusiasmo!

Acontece a festa. Todos comiam, dançavam e se alegravam, e o noivo estava com eles! No meio deles! O pai, então, começa a percorrer os espaços da festa e começa a agradecer a todos que ali vieram, demonstra a eles a sua alegria, diz que a presença deles é importante e que eles que estavam na “desgraça” da vida, encontraram ali a sua graça, um tom novo, onde podem recomeçar. Aprende-se a viver. O pai lhes deu confiança e certeza, produziu neles o gérmen da esperança. E assim seguiu o pai...

De repente, o pai olha para o lado e vê uma pessoa diferente, uma pessoa distinta e bem apresentada, mas que não se alegra com os outros e que não se sente a vontade no meio onde está. Está desconfortável, sente-se incomodada. Esta pessoa não se mistura e o pai a olha e tenta reconhecê-la, mas mesmo assim se pergunta: “por que não está animada e feliz quando o noivo está aqui? É festa!”... O pai chega mais perto e olha bem para aquela pessoa e vê que ela se porta de maneira diferente. Ela está tão carregada com suas roupas que não se sente confortável para dançar e festejar com os outros. Tudo é pesado. Esta pessoa se enfeitou tanto para estar ali e deu tanta importância a outras coisas que se esqueceu do essencial, que é a alegria, a expectativa e a novidade da festa, o convívio com todos, que é a mesa comum e a partilha, o contato, o abraço, o beijo e o afago... O pai aproxima-se e pergunta: “Por que você não veio preparado para a festa? Por que está com estes trajes pesados que camuflam o seu ser e não nos deixam te ver realmente?...”

O pai, na sua imensa misericórdia e bondade, ainda tenta trazê-la para a festa, insiste que tire as amarras, que jogue aquelas roupas caras e pesadas e fique apenas com o que é importante. O pai mostra-lhe as demais pessoas que ali estão, pede que veja como estão felizes agora e o pai não entende como alguém pode ter se esquecido delas, o pai não entende como alguém pode ter feito mal a qualquer uma daquelas pessoas que ali estavam, ou coisa assim. O pai então chama esta pessoa para o meio e quer fazer uma aproximação, mas a postura da pessoa, sua rigidez, impede-a de ir.

“Isso não é correto”, diz a pessoa... “Não é esta a lei, não é assim que deveria ser... Eu achei que te conhecia e quis te impressionar com minha presença... Eu trouxe tudo o que considero importante e ‘estes’ não te trouxeram nada... Como podem se alegrar na presença do noivo?... Quem são eles, o que fazem?... Olhe aquele e aquele!... Veja aquela!... E aquele lá?!... Isto não está certo, vai contra o que é correto”.

O pai, com afeição e bondade, olha e diz: “Eles estão livres e acolheram com bom grado o meu gesto de bondade. Por que você ficou tão preso nestas coisas e não fez o mesmo?”. A pessoa respondeu: “Mas eu fiz tudo o que me disseram?”. 

E o pai, na eterna bondade, respondeu: “E quem disse que está trajando roupa de festa?”.

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A salvação é dom de Deus, é graça. O nosso gesto, a nossa postura, deve ser de acolhida. Ao acolher, abrimos a nossa vida diante do mistério e permitimos que o mistério atue em nós. No acolher, o mistério se manifesta e nos liberta para a verdadeira vida, o mistério nos coloca no seguimento daquele que revelou todo o mistério; ele nos desinstala e nos abre uma nova perspectiva, um novo, um futuro, leva-nos ao encontro com aquele que nos chama e que nos prepara uma grande festa. Na festa nós celebramos. Celebramos a nossa chegada e o caminho que percorremos; trazemos a nossa memória. Celebramos a memória daquele que nos mostrou o caminho, que deu sentido a nossa vida através da sua vida. Este é o espírito do encontro. Deus se desinstala, ele se despoja e vem ao nosso encontro; nós fazemos o mesmo e vamos à sua direção. 


Cesar Kuzma é teólogo Leigo. Doutor em Teologia pela PUC-Rio. Autor do livro “Leigos e Leigas” da Paulus; e um dos organizadores do livro “Age Deus no mundo?”, da Editora PUC-Rio e Reflexão.

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