sexta-feira, 13 de julho de 2012

Texto de Sartre sobre Maria


Aquilo que se deveria pintar do rosto de Maria é uma admiração ansiosa que só apareceu uma única vez no rosto humano. Isto porque o Cristo é o seu filho, a carne de sua carne, o fruto de suas entranhas. Ela o trouxe durante nove meses e, oferecendo-lhe o próprio seio, o seu leite se tornará sangue de Deus. Em certos momentos a tentação é tão forte que a faz esquecer que Ele é Deus, aperta-o em seus braços e lhe diz: 'Meu filho!', mas em outros momentos permanece sustada e pensa: 'Deus está aqui!'. Todas as mães ficam impressionadas dessa maneira diante daquele fragmento rebelde de sua carne que é o próprio filho. E sentem-se como que num exílio diante desta nova vida fabricada com a própria vida, mas habitada por estranhos pensamentos. Mas nenhum menino foi mais cruel e radicalmente arrancado de sua mãe, porque Ele é Deus e transcende totalmente tudo o que ela pode imaginar. Mas eu penso que houve outros momentos rápidos e fugazes em que ela sente que Cristo é ao mesmo tempo seu filho, o seu pequeno e que, ao mesmo tempo, 'Ele é Deus'. Contempla-o e pensa: 'Este Deus é meu filho, esta carne divina é minha carne. Ele é feito de mim, tem os meus olhos e esta forma de sua boca é a forma da minha boca. Assemelha-se comigo'. E nenhuma mulher teve a felicidade de possuir o seu Deus só para si, um Deus tão pequeno que pode tomá-lo nos braços e cobri-lo de beijos, um Deus todo calor que sorri e respira, um Deus que se pode tocar e que ri. É num desses momentos que eu pintaria Maria, se eu fosse pintor

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Este poema foi escrito pelo filósofo Sartre, ateu, em campo de concentração, por ocasião da celebração do Natal.

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