Por Cesar Kuzma - teólogo
Deus
Pai. Esta breve expressão já é uma profissão de fé que nos diz muito e incide
diretamente na compreensão que temos de Deus e o modo como nos relacionamos com
ele. Afirmar que Deus é Pai, é, antes de tudo, dizer que ele é aquele que cuida,
é aquele que guarda e protege, é a origem de tudo e de quem provém todas as
coisas. Nisso, afirmamos também o aspecto criador de Deus: um Deus que é amor e
cria por amor; que oferece à sua criação aquilo que é próprio de seu ser, o seu
amor; um Deus que é amor e que cria na liberdade, concedendo à sua criação a
mesma liberdade com que criou. Nós, pela vivência da nossa fé, só podemos
chamar Deus de Pai através da relação pessoal que ele mesmo nos afortunou,
tornando-nos livres para viver e amar. Apenas quando entendemos esta relação de
amor e de liberdade, vividas de forma íntima e pessoal, a definição paternal de
Deus (aquele que cria, ama, protege e cuida) fica mais acessível e assimilável.
Todavia, nem sempre tivemos esta compreensão
sobre Deus dentro da nossa história de fé, tanto pelo povo de Israel quanto
pelo povo cristão. Em consequência desta interpretação, é possível encontrar ainda
nos dias de hoje, pessoas que tem outra imagem de Deus. Pessoas que o
identificam como um braço forte, alguém que está sentado ao trono e de lá (geralmente
este “lá” é lá em cima, “no céu”) olha e julga todos os acontecimentos; ou pior
do que isso, um Deus que protege alguns e condena outros, favorece alguns “eleitos”
enquanto outros estão longe de seu olhar. Alguns imaginam que todas as coisas
boas que existem no mundo são obras de Deus, que reconhece a humanidade e suas
boas ações, presenteando-a, então, com dons e graças; junto a esta visão, este
mesmo grupo imagina que todas as tragédias que ocorrem no mundo, todos os
problemas que acontecem e ferem as pessoas, é um castigo deste Deus, e por aí
vai...
É evidente que esta imagem de Deus,
que demonstramos logo acima, está totalmente desvinculada da imagem do Deus
cristão, que nos foi apresentada por Jesus de Nazaré e através da qual
depositamos toda a nossa fé e esperança. A partir de Jesus, nós não acreditamos
mais num Deus que está acima de todos nós e que nos olha com um semblante soberano
e julga todas as nossas ações. Nós também não acreditamos mais num Deus
intervencionista que privilegia algumas situações enquanto outras carecem e
padecem no sofrimento. Acreditar nisto, seria transformar Deus num tirano e não
em um Pai. A partir da pregação do homem de Nazaré, da sua concepção de Reino,
do seu olhar sincero e próximo, veio até nós esta compreensão de Deus Pai, que
é aquela que devemos assimilar e seguir.
Vejamos.
Um Deus que é Pai, não é um Deus que
está acima de tudo e de todos e que olha o mundo com um olhar soberano. Na
proposta de Deus apresentada por Jesus, um Deus que é Pai, é aquele que olha a
todos os seus filhos, sem distinção; é um Deus que não condena e não julga as
suas ações, antes as corrige e as eleva num plano maior, no amor. Não julga,
mas salva[1];
ele os orienta e conduz à salvação. É um Deus que é solidário e que participa
das nossas vidas, que sente o que nós sentimos e que passa ao nosso lado como
quem nos cuida, porque somos importantes diante de seu olhar. Jesus nos mostra
o olhar de um Deus bondoso, misericordioso, compassivo e solidário. Um Deus que
se despoja e que caminha junto com o seu povo. Um Deus que é tão próximo de
suas vidas, que está tão junto, que só podemos entendê-lo na perspectiva de um
pai.
Nós não estamos dizendo com isso que
Jesus foi o primeiro a chamar Deus de Pai, tal afirmação não seria verdadeira. Nós
já encontramos esta expressão dentro da tradição judaica. No entanto, a
novidade em questão é o modo como este Jesus chamava este Deus de Pai e a
relação íntima que se tinha com ele. Jesus nos apresenta uma nova face de Deus,
mais amorosa e próxima; com isso, muda a compreensão de Deus a partir de sua
relação.
A novidade desta visão é perceptível
na parábola do Pai Misericordioso (ou antigamente chamada de “O filho pródigo”), vejamos (cf. Lc 15,11-32).
Nesta parábola, Jesus nos mostra
claramente o rosto de Deus, seu Pai. Um Pai que se vê diante de dois filhos que
não querem a sua presença. Um filho que decide ir embora, que rompe com o pai e
que pede a sua parte da herança. O outro filho não vai embora, mas também não
se importa com o pai, está acomodado a seu lado, mas quando quer celebrar,
lembra-se apenas dos amigos, e não inclui o pai. O pai, ao contrário dos
filhos, vive para eles e importa-se com eles. Para aquele que quis ir embora, o
pai deu a parte de sua herança, respeitou a sua decisão e nunca deixou de
amá-lo. Para o filho que ficou, o pai o manteve junto a si, deu a sua casa,
alimento e proteção. Mais tarde, quando o filho que foi embora retorna, o pai
não julga as suas ações, não condena os seus atos, não se importa com seus
pecados, pois a presença do filho, a vida do filho era mais importante: aquele
que estava morto, agora voltou a viver; aquele que estava perdido, agora foi
encontrado. Ele o acolhe novamente na sua casa, enche-o de beijos, devolve a
ele a dignidade de filho e celebra-se um grande banquete: a vida plena é o mais
importante! No instante que o outro filho chega e vê a festa que o pai preparou
para o seu irmão, fica enciumado e raivoso e agride o pai com palavras: tenta
justificar a sua presença na casa, fala de tudo o que fez, diz que não abandonou
o pai como o outro filho (nota-se que ele não chama de irmão), mas que sempre
esteve ali; e mesmo assim, o pai nunca deu nada para que ele pudesse festejar
com os seus amigos... Mesmo sabendo que o filho que ficou não incluía o pai nas
suas palavras, o pai o abraça e o acolhe e diz, de coração, que “tudo” o que
tinha era também seu, que ele tinha parte com ele, mas que o seu irmão estava
morto e agora reviveu, estava perdido e agora foi encontrado. Pede, então, o
pai: “entre e celebre conosco”.
Esta breve reflexão nos mostra que para
os dois filhos apenas as suas vidas importava, o pai não fazia parte delas; ele
não era nada mais do que aquele que dava o sustento, até mesmo pela obrigação
de ser pai. O gesto do pai vai ao contrário, o pai não pensa em um mundo a
parte, não concebe a vida de maneira separada dos filhos. O pai que teve os
filhos por amor respeita a liberdade de ambos, alegra-se com eles, mas também
sente as suas faltas, lamenta quando não estão presentes e chora com os seus
pecados e fracassos. O pai não julga, mas sempre perdoa os seus filhos,
perdoa-os porque os ama. No plano do pai, todos
fazem parte, todos estão incluídos e todos devem seguir o caminho da união,
do amor, da reconciliação. A vida vale a pena e ganha sentido quando se celebra
a vida, celebra-se a vida plena, na qual todos fazem parte. O banquete da vida é
oferecido a todos pelo Deus que é Pai
e todos têm parte com ele. Por isso
dizemos, é Pai.
Olhar esta parábola, na perspectiva
do pai, torna compreensível a noção de Deus Pai.
Olhar esta parábola e nela encontrar
a definição de Deus Pai é olhar também para dentro de si mesmo e pensar: se o
nosso coração nos acusa, por qualquer circunstância, sabemos antes que Deus é
maior e conhece todas as coisas (cf. 1Jo 3,20).
Deus Pai. É bom refletir e amar.
[1] Dizemos que Deus faz justiça, o que é
muito diferente de julgar. Fazer justiça é estender a mão a quem está caído (a
vítima), aquele que sofreu a injustiça e ajudá-lo a levantar, devolver-lhe a
vida. Fazer justiça também é estender a mão aquele que cometeu a injustiça (o
agressor), é acolhê-lo e perdoá-lo, transformando-o no plano do amor. Esta é a
justiça de Deus. Por isso é Deus Pai.
Eu nunca tinha refletido sobre esta parabola pelos olhos do pai, acredito que sempre me coloquei no lugar de um dos dois filhos. Veja que engraçado, quando se tem outra visão da "situação", outra opinião se forma, não que seja diferente, porém mais profunda a analise e maior o aprendizado se voltarmos as atenções para o sentimento do pai.
ResponderExcluirA comparação ao sentimento de Deus Pai é inevitável, é sublime.